Não é apenas de entrelinhas que vive Bolaño, em Noturno do Chile o escritor emprega uma narrativa de fluxo de pensamento em forma de monólogo denso depositado no silêncio de Sebastian Urrutia Lacroix, padre e crítico literário, às vésperas de sua morte.
Sebastian Urrutia torna-se amigo de Farewell, o maior crítico literário do Chile, que o ensina sobre diversas vertentes da literatura. Em meio às histórias dos outros convidados ilustres de Farewell, o padre recebe uma missão das mãos do Srs. Oidem e Oidó na Europa: ele tem de descobrir como as igrejas européias são conservadas. Logo após sua volta, mais uma missão chega às suas mãos: dar aulas de marxismo para o alto escalão militar em plena ditadura.
Lendo Noturno do Chile, a ênfase no silêncio de um crítico literário (que ironicamente é um padre pretensioso e ingênuo), nos faz refletir sobre como a quietude pode nos tornar pessoas apáticas e ao mesmo tempo detalhistas. Sebastian está em um momento febril e quanto mais se aproxima do fim de seu monólogo, mais contraditórios os pensamentos parecem aglutinados as suas inquietações com a morte eminente.
Nessa narrativa interna nos deparamos com nomes da história chilena como Pablo Neruda ou mesmo Augusto Pinochet, todavia o atrativo principal é a condução, Bolaño consegue direcionar a narrativa em pulos no tempo dentro da história de outras personagens, como Don Salvador e Jünger, colocando uma narrativa dentro da outra.
Entre as ambições e divagações sobre a vida, a literatura e a política, Bolaño nos fornece, sob o olhar inocente de um religioso, um retrato competente sobre figuras à mercê de um estado ditatorial apático de cultura e das contradições humanas.
A voz da geração em que foi criado Roberto Bolaño, desde a ditadura até seu exílio, mostra que nos tempos mais difíceis é que podemos criticar o nosso tempo para criar na atualidade uma nova visão sobre o que aconteceu conosco. Creio que Roberto escrevia para entender seu próprio tempo, sobre ele mesmo ele entendia: era um perdido, mas a época em que viveu estava longe da perdição.
Olá Felippe, li Nocturno de Chile essa semana e depois de acabar minha leitura acabei lendo sua resenha a qual achei muito interessante. Gostaria de acrescentar alguns comentários:
1- O livro só tem dois parágrafos, o primeiro com 130 paginas e o segundo uma linha, segundo alguns blogs as três ultimas palavras do livro eram o titulo desejado pelo autor para o livro.
2- Os personagens que convidam Lacroix para ir a Europa em espanhol se chamam Odeim e Oido (Odio e Miedo ao contrario), eles aparecem no momento em que o Chile está começando a se convulsionar devido a questões políticas.
3- Acho muito interessante ler o livro com o Google aberto ao lado para saber quem é quem na trama, a maioria absoluta dos nomes presentes no livro são de personagens reais e os que não são diversos blogs indicam quem poderia ser.
4- Em varias passagens me parecia que a narrativa se assemelhava muito ao de uma pessoa em estado febril.