O pai do romance policial é Edgar Allan Poe, ou seja, o gênero nasceu na América do Norte para depois ser transportada para a Europa, dentre os diversos detetives do antigo continente está o mais famoso: Sherlock Holmes. Não devemos confundir as histórias de detetives com histórias de aventura, no primeiro caso não existe um personagem cem por cento bom ou mau, existem seres humanos que solucionam crimes ou acabam se metendo nesse meio. No segundo temos a luta entre o bem e o mal a procura de um tesouro, uma riqueza ou glória. Por ser um gênero rico em histórias e personagens se transformou durante os séculos que separam as narrativas de Poe até o último grande best-seller da trilogia Millenium de Stieg Larsson. E essa mutação tornou agentes forenses em detetives e serial killers (Dexter) e hackers em detetives (trilogia Millenium).

Uma das facetas mais famosas desses chamados detetives é aquele cara inteligente (mais puxado para esperto), sarcástico e muitas vezes excêntrico – assim como o personagem de Sir Artur Conan Doyle. Todas essas características estão presentes no novo volume (quarto da série) de Ficção de Polpa – que já abordou histórias de horror e fantasia – carregando o subtítulo de Crime! O exemplar tem 7 contos, todos organizados por Samir Machado de Machado, que se passam em algum lugar no espaço-tempo onde já existam celulares e reality shows, mas também no século XIX onde um açougue pode ser o local de um crime.

O livro abre com As Muralhas Verdes, de Carlos Orsi, choca a figura do detetive fumante, irônico e trajando sobretudo com o mundo moderno. A mulher fatal não é fatal: usa óculos e não parece querer se entregar nos braços do mocinho. Esse detetive perdido no tempo tem de resolver um assassinato que ocorreu dentro de uma casa de vidro durante as gravações de um reality show. Mas como encontrar um assassino que está sendo vigiado 24hrs por dia mas nenhuma das câmeras o captou.

O caso seguinte é um tanto surreal: uma jovem caixa de supermercado acredita ser perseguida por relógios, mas não qualquer um somente os digitais. Os malfeitores apresentam números iguais toda vez que a donzela os encara. Nesse conto, intitulado A Conspiração dos Relógios, escritor pelo português Yves Robert, temos um detetive esquizofrênico que tem como parceiro e melhor amigo um Coelho gigante e azul chamado Tobias. O mistério se extenderá por caminhos tortuosos e dúvidas que faz com que o detetive dúvide de sua cliente até um desfecho que beira o hilário.

Uma das principais atrações de Ficção de Polpa – Crime! é seu tratamento gráfico que remete às antigas revistas Pulp, publicadas nas décadas de 1930 a 1950, impressas em papel barato e cheias de propagandas bizarras. Há ilustrações diferentes em cada conto dando um charme todo ao conteúdo.

A Aventura do Americano Audaz, de Octavio Aragão, traz Sherlock Holmes de volta a ativa. A trama mostra toda a intuição de Holmes em ação para solucionar o assassinato de um jovem americano. Como tradição, o Dr. Watson é, além de assistente, o narrador de toda essa aventura que faz jus a notoriedade do personagem de Conan Doyle.

Além de contar com os tradicionais crimes e seus detetives, Ficção de Polpa – Crime! apresenta duas histórias em que os detetives não são os personagens principais. Em A Carne é Fraca, Rafael Bán Jacobsen mostra diversas vozes, entre assassinos e vítimas, para contar a história de crimes hediondos cometidos dentro de um açougue na Porto Alegre do século XIX. Agulha de Calcário, de Carol Bensimon, vai a frente, ou melhor, atrás, mostrando toda a trilha que antecede um crime: seu cenário e seu ambiente.

A consciência, a moral da sociedade e a ética de uma profissão pesam em cima das decisões do ex-policial Roszynski em Um dos Nossos, de Carlos André Moreira e encerrando esse volume há o conto bonus-track de Ernest Bramah e seu detetive cego Max Carrado.

Ficção de Polpa – Crime! é um exemplar viciante e impossível de largar após ler a primeira linha e ao término desse volume com certeza despertará a vontade de reler. Não se trata de histórias inovadoras, intricadas ou de crimes que perturbam o leitor. É uma mistura de horror, mistério e diversão tudo na medida certa para que os fãs e não-fãs de um dos gêneros mais abrangentes da literatura desfrutem diversas vezes.