Adentrei no universo “bolañesco” através das sendas desconhecidas de Estrela distante, tão curioso quanto temeroso, já que avançava sob a sombra do monstro da expectativa. Porém, como o Pips acertadamente me disse, Bolaño é um monstro bem maior que a expectativa.

Não dá para ter uma idéia mais geral e profunda sobre um autor lendo somente uma de suas obras, por isso é que vou procurar me ater à análise mais específica de Estrela distante, embora esse seja somente o primeiro dos livros do Bolaño que pretendo conhecer.

Carlos Wieder é a persona central da história, não digo o protagonista, mas o fugidio personagem que o narrador persegue por diversos meios e motivos. O livro é narrado em primeira pessoa, por um narrador cuja história, assim como a de Wieder, situa-se no contexto do Chile às vésperas do golpe e durante os anos de chumbo do governo ditatorial de Pinochet.

No início do livro, em um pretenso prefácio ou algumas breves linhas a guisa de introdução e justificativa, Bolaño coloca sua busca literária por Wieder como uma empresa de inspiração Borgiana, quando esse envereda pelos meandros biográficos de Pierre Menard, no conto Pierre Menard, autor do Quixote, presente em Ficções.

O livro todo é uma tentativa de reconstituição da vida de Carlos Wieder através de seus feitos de poeta e personagem histórico que chacoalhou a literatura e a política chilenas quando da ocasião do golpe e do governo ditatorial.

Os acertos de Bolaño vão se acumulando ao longo do livro na medida em que ele vai criando uma realidade quase paralela à “realidade-oficialesca”: a história de Wieder se manifesta nas sombras da História, em um universo underground onde forças, grupos e idéias circulam pujantemente e onde Wieder deixou seus rastros.

Essa força que emana dos meandros mais obscuros do cenário literário, da vida política e do próprio dia-a-dia chileno me faz lembrar de uma das premissas inscrita no Manifesto Infrarrealista: “subverter a cotidianeidade”. Bolaño consegue fazer brotar da trajetória de um misterioso personagem que escrevia poesia nos céus um romance instigante com certos toques policiais de perseguição e investigação que prendem da primeira à última página.

No intuito de ‘subverter a cotidianeidade’ é que o autor faz surgir do corriqueiro e fragmentário, aparentemente amorfo e irrelevante, vivacidade e uma trama bem maior. A sensação que se tem ao ler Estrela distante, é que no mesmo instante em que se está lendo aquelas páginas, infinitas engrenagens cósmicas estão girando, fazendo de micro-acontecimentos, macro-desdobramentos, como se mesmo a ‘ínfima’ poesia, o mais humilde texto escrito, a mais liliputiana atitude estão gerando perturbações no tecido da realidade.

Quando digo ‘cósmicas’ e ‘tecido da realidade’ não estou imputando a Bolaño uma visão do universo como arranjo metafísico, mas como um arranjo que ganha mistério e se torna magnético na medida em que os seres humanos nele constroem suas vidas e o moldam com sua experiência. Há algo de absurdo e perturbador no que a Literatura se constituiu para a humanidade, e é nessa relação que Estrela distante quer insistir (tudo o que gira em torno de Wieder, parece fazê-lo através da Literatura), mesmo que não possamos dizer que chegue a uma conclusão.

Após embarcar nessa viagem infinitesimalmente rica pelas referências constantes a poesia latino-americana, com ênfase na chilena; pelos solavancos causados pela constatação dessa pululante vida exalada da literatura, esteja ela onde estiver; dá vontade de iniciar uma fanzine, escrever algo por aí, poetisar um muro qualquer, enfim, tentar transformar a realidade pela força misteriosa das letras.

Provavelmente foi essa a força misteriosa que seduziu Bolaño.