É bastante provável que o genocídio praticado em Ruanda no ano de 1994 tenha sido um dos eventos mais trágicos e comoventes desde a Segunda Guerra Mundial. Neste período, cerca de 800.000 ruandeses (tutsis e hutus moderados) foram exterminados, num massacre que realmente se compara ao Holocausto, tanto pela proporção de vítimas quanto, em parte, pela motivação daqueles que cometeram tamanha atrocidade. A uma primeira vista, pode-se dizer que o evento ocorreu devido ao atentado e morte do presidente hutu, Habyarimana, seguido por tomada de poder dos líderes do Poder Hutu, que iniciaram uma revolta contra os tutsis.

O Genocídio de Ruanda deve ser lembrado e discutido, porque não se trata apenas de um momento isolado envolvendo uma pessoa ou um pequeno grupo, mas sim um ato advindo do ódio coletivo e majoritário entre dois povos de uma nação. E esse sentimento, além levá-los ao massacre e quase extermínio da minoria tutsi, esteve enraizado por muito tempo em suas culturas e gerações anteriores.

O livro de Philip Gourevitch, “Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias” mostra exatamente isso: De um lado, a preocupação de atentar os leitores para que não se esqueçam do que aconteceu naquelas terras, de outro, a necessidade de entender, desde o início, o que levou a população ao massacre. Para a realização do livro, o autor foi até Ruanda logo após o fim do genocídio e ficou por lá durante três anos, entre visitas e viagens mais longas. No país, fez entrevistas e passou diversos lugares como escolas, igrejas e hospitais – muitos deles ainda tinham corpos expostos por todos os lados, marcando o tamanho da devastação e drama que a região viveu-.

Na construção da narrativa, Gourevitch usa sua memória como forma de ligar um assunto a outro, não se preocupando muito com a ordem de cada evento. Logo no início do livro, por exemplo, existe um registro de uma conversa entre o autor e um pigmeu, que aconteceu quando ele estava há alguns meses em Ruanda. O capítulo seguinte já vai falar de uma visita que ele fez acompanhado de um oficial a uma igreja. Somente depois disso, o autor diz suas primeiras impressões sobre a paisagem do país e relembra outra conversa. Na minha visão, foi uma boa opção, pois deixa a história mais interligada e constantemente interessante. Além disso, um capítulo não depende do outro, tornando o livro um apanhado de micro-estórias que se assemelham em tema, mas não precisam do conteúdo da outra para seu entendimento.

Outro ponto da obra é o fato de que Gourevitch não se preocupa em demonstrar sua opinião sobre o tema, podendo ser até muitas vezes sentimentalista. Percebe-se claramente que ele se envolveu demais com o massacre de Ruanda e ele deixa isso claro conforme nos conta sobre o que ele viu e conversou com as pessoas de lá. Sua descrição é bastante humana, por exemplo, no momento em que ele se depara com os primeiros corpos e, principalmente, na hora de denunciar a comunidade internacional por não ter agido da forma correta para a questão do Genocídio.

Mais uma vez, é preciso dizer que “Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias” fala não só de mortes, mas sim do comportamento humano misturado com sentimentos de ódio e vingança. Muito mais do que isso, é um livro sobre a proporção perigosa que o pensamento coletivo pode atingir. Da mesma forma que os alemães dizimaram 6 milhões de judeus, convictos pelo discurso do nazismo, os hutus massacraram os tutsis. Como diz o próprio autor sobre esta obra: “Este é um livro sobre como as pessoas imaginam a si próprias e umas às outras – um livro sobre como imaginamos o nosso mundo”.

Título original: We wish to inform you that tomorrow we will be killed with our families – pocket
Tradução: José Geraldo Couto
Preço: R$23,00
Páginas: 352

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