Crispin Salvador é um escritor de fama internacional que passeou pelos mais diversificados gêneros, do policial a livro de memórias, professor na Universidade de Columbia e repudiado em seu país de origem, Filipinas. Exiliado em Nova York de 1972, onde exerceu diversas profissões para primeiro conseguir escrever e depois para esquecer a escrita. Um dia ele é encontrado morto, nu e com uma coroa na cabeça às margens do Rio Hudson antes de finalizar a sua obra a máxima – intitulada As Pontes em Chamas e escrita ao longo 20 anos – que denunciaria os laços de nepotismo na política filipina. A notícia do óbito não repercutiu, pois na mesma época os EUA tentavam superar e encontrar culpados para o 11 de Setembro.

O jovem pupilo de Crispin está encarregado, por ele mesmo, de narrar a vida de seu mentor, os erros, os acertos e suas polêmicas. Miguel Syjuco é o pupilo e o alter-ego de Miguel Syjuco transformando toda a narrativa de Ilustrado, lançado pela Companhia das Letras e com tradução de Fernanda Abreu, em uma biografia disfarçada de ficção e uma ficção disfarçada em biografia que se chocam para assustar e divertir o leitor.

Cripin Salvador viveu diversas vezes, teve umas oito vidas diferentes, ampliando sua psique mas permanecendo excêntrico e polêmico, criando uma fama de mulherengo, depois de homossexual e vendido ao fazer comercial para tempero de alimentos. Todos esses elementos apresentados pelo narrador criam diversos personagens dentro de um só, tornando a trama uma amostra de humor ácido, pateta e negro e também um suspense, um romance policial abrigado não somente pelos estranhos personagens que compõe o prisma de suspeitos de matar o escritor, mas pela maneira em que se sucede cada acontecimento no retorno do assistente-biografo ao país de origem dele e de seu amigo.

Como no português, Ilustrado, nome original do livro em inglês, representa uma pessoa com alto grau de instrução e sabedoria. Para o escritor assassinado, a literatura deveria mudar o mundo, transformar as pessoas e derrubar governos, mas ele foi vítima de sua própria ambição, a literatura que tanto lutava para iluminar as pessoas o levou ao fracasso profissional, afinal ser reconhecido e ter fama nem sempre são elementos de uma pessoa querida. Em dado momento do romance é explicado que Salvador ganhou o prêmio mais importante das Filipinas e que é entregue para grandes homens que estão à beira da morte e esquecimento, nesse simples ponto abordado, é possível notar que como um escritor relativamente jovem e gozando de saúde, ele seria apenas uma fantasma para toda a sua nação mãe.

Miguel Syjuco não teme mexer com nomes e fatos reais e misturá-los em sua ficção – a sua história é retratada nos personagens de Crispin e seu pupilo -, enchendo as páginas com notas de rodapé que beiram a hilaridade como citações a blogs, e-mails, entrevistas, diários, ensaios e editoriais. Em outros momentos, as citações dos livros de Crispin Salvador recheiam a narrativa de levantamentos filosóficos carregados de ironia. Um dos livros do escritor se chama “Por que amar um Deus que nos faz peidar?”, outro que é um ensaio autobiográfico “É díficil amar uma feminista” e a autobiografia com mais de mil páginas chamada “Autoplagio”. Mesmo carregado de uma sátira do governo e da alta sociedade filipina, brincando com a ascenção social inexistente no país, o humor discreto dessa parte retrata uma melancolia por deixar tudo para trás retornando anos depois para verificar que a esperança que nunca surgiu ainda está longe de chegar perto daquele país.

Como uma boa história que elenca traços biográficos, culturais, suspense e humor classudo, Ilustrado absorve toda a atenção do leitor para suas páginas graças a narrativa contestadora, filosófica, histericamente engraçada e cheia de fôlego de Miguel Syjuco – que foi comparado a Bolaño, Mitchell e Murakami – nesse romance de estreia.