No final de 2010, foi lançada pela Iluminuras – depois de seis anos – uma nova edição do Catatau, romance-idéia (nas palavras do seu autor) publicado em 1975 por Paulo Leminski. Qual a primeira surpresa que dá para imaginar da maioria? “Nossa, ele não escreveu só poesia?” Pois é, o tão famoso poeta curitibano também fez suas incursões pelo mundo da prosa, mas sem deixar a poesia de lado.

Quem resolver ler esse livro nonsense, vai perceber de cara que não tem em mãos uma narrativa tradicional, mas sim uma grande experiência literária que atenua as fronteiras entre prosa e poesia por cerca de 200 páginas. Quem já leu Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Ulysses ou Finnegans Wake, ambos de James Joyce, vai reconhecer de cara a loucura formal do texto e talvez não vai sentir tanta dificuldade quanto outras pessoas, mas mesmo assim não vai ler tão no “automático” quanto leria José de Alencar.

Tudo bem, é um romance (romance?) difícil, mas por quê? Leminski quis desde o começo escrever um livro difícil, rebuscado, experimental, que tivesse uma forma apropriada para a sua idéia caótica e, ao mesmo tempo, unitária. Todo esse pensamento veio à tona quando dava uma de suas aulas de história num curso pré-vestibular, uma aula sobre a invasão holandesa no período colonial brasileiro, e tratou do fato de que alguns artistas e intelectuais europeus vieram para o Recife junto com os colonizadores. Sabendo que Descartes nesse período vivia na Holanda, ele pensou “e se ele tivesse vindo junto para o Brasil?” e anotou o insight.

Esse é o grande argumento para o Catatau: pensar em como seria para um filósofo europeu racionalista encarar esse novo mundo totalmente diferente que era (e talvez ainda seja) o nosso país. Como pode se imaginar, não é nada fácil para o Descartes personagem lidar com essa possível quebra de valores da sua filosofia, o que o leva a um caos mental, especialmente depois de ele fumar uma certa erva (que todo mundo imagina qual é) no horto do palácio de Maurício de Nassau. Tudo isso logo no início da narração, que ainda por cima é em 1ª pessoa. É fácil perceber daí em diante que você não vai ler um romance previsível.

A partir desse argumento inicial, deixo para você ler o Catatau e aproveitar essa experiência estética absurda narrada pelo personagem-filósofo. A loucura de Descartes vai levá-lo à loucura lingüística também, fazendo com que ele misture línguas, transforme ditados loucamente e crie neologismos sem qualquer razão. Aliás, razão é com certeza algo que não se aplica ao Catatau. Não dá para encontrar lógica nesse livro. A ironia é justamente o fato do filósofo racionalista mais conhecido ser o protagonista aí. A falência da lógica européia em terras sul-americanas é também o nosso fracasso em tentar entender esse livro. Enfim, apenas siga o pensamento absurdo desse Descartes herético sem rumo. Sem rumo porque, acredite, o fim dessa história não leva a lugar algum.

Sobre o autor: Quase-bacharel em Letras, Daniel F. não tem foco. Gosta de literatura clássica, vanguardas literárias, poesia concreta, cinema, mapas e muitas outras coisas ao mesmo tempo. Sempre que pode, procura conhecer livros novos e divulgar a novidade por aí.

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