Há uma estranha sensação ao começar a folhear Monsieur Pain, de Roberto Bolaño, lançado pela Companhia das Letras em julho. A familiaridade com a obra do escritor chileno se perde nesse labirinto investigativo e ocultista – o que é uma grata surpresa após reconhecer e venerar, livro atrás de livro, o estilo que o autor emprega em quase todas as suas histórias. Existem, sim, as referências literárias (Borges e Poe) e discussões políticas, mas de uma maneira nova para quem está acostumado com obras como Os detetives selvagens ou Noturno do Chile.

Pierre Pain, um veterano da Primeira Guerra e curandeiro mesmerista (seguidor de Franz Mesmer, médico que desenvolveu a técnica de hipnose vulgarmente conhecida como magnetismo animal), vive de pensão do governo na Paris de 1938. O mesmerista é contactado por Marcelle Reynaud, uma jovem viúva que o conhecera quando necessitava das técnicas de hipnose para salvar o marido, para ajudar o senhor Vallejo que sofre de uma terrível crise de soluço visivelmente fatal.

Escrito entre 1981 e 1982, Monsieur Pain ganhou dois prêmios literários em diferentes cidades da Espanha ainda sob o título de A trilha dos elefantes – nome dado ao epílogo desse livro.

Quando o personagem se envolve com o tratamento, se vê perdido entre um jogo de intrigas não esclarecido. Primeiramente é seguido por dois espanhóis e persuadido a receber um suborno para não tratar o senhor Vallejo. Após aceitar o dinheiro em meio a embriaguez, o mesmerista cai numa paranóia sem fim sobre conspirações, fascismo e significado de sonhos e amores. Pierre Pain acredita que os dois subornadores espanhóis, liderados por um ex- codiscípulo, querem assassinar seu paciente.

Pain salta entre pensamentos filosóficos até terrores noturnos inacreditáveis – por vezes soando como premonições. O lado físico e real de Monsieur Pain reside em labirintos urbanos em ruas confusas, um hospital sem quinas e um galpão escuro, todos numa Paris chuvosa e cheia de notívagos colaboram para criar um clima claustrofóbico. Bolaño não revela se o personagem está vivendo em meio a uma conspiração ou uma psicose, sua narração é precisa ao despistar o leitor de uma solução do caso. O autor, na nota preliminar desse romance, conta ao leitor que muito do que é narrado no livro é real, incluindo o enfermo Vallejo – personagem (?) inspirado no poeta sul-americano (chileno, para ser mais preciso) César Vallejo que morreu misteriosamente de uma febre incurável e por descaso de seus médicos.

As figuras que encontra em seu caminho tortuoso por ruas estreitas, e em bares ocasionais, o ajudarão a se afundar mais em uma perseguição psicológica. Essa galeria de personagens se mostra marcante, mesmo aqueles citados por cima já instigam a um aprofundamento particular da vida de cada um. Todavia, o autor entregará depoimentos que iluminam o que ocorreu com cada um dos ilustres coadjuvantes – um possível exercício para Os detetives selvagens – com datas de nascimento e nomes verdadeiros.

Monsieur Pain não é bom como porta de entrada na bibliografia de Roberto Bolaño, esse livro é mais apetitoso se experimentado após ler duas ou três obras do escritor – inclusive para chegar preparado para o epílogo. Com bastante fôlego, suspense e uma arquitetura narrativa invejável, este exemplar presta homenagem à literatura fantástica e à policial de maneira primorosa.