Em O apanhador no campo de centeio, Holden Caufield apresenta um critério bastante interessante para se “julgar” um autor: ele diz que os “autores bons” são aqueles para os quais você deseja ligar para bater um papo depois de ter terminado de ler seu livro. Posso dizer duas coisas depois de ter lido Paris é uma festa: 1. certamente lerei outros livros de Ernest Hemingway; e 2. eu definitivamente gostaria de ligar para ele para batermos um papo.

Hemingway parece um personagem de ficção, suas aventuras e desventuras em Paris têm um quê de histórias rocambolescas, que são bem mais comentários esparsos sobre a magnificência do cenário parisiense, sobre os autores que Hemingway conheceu, sobre as intempéries de um escritor antes de colocar seu nome nas luzes da ribalta; do que propriamente uma trama articulada e encadeada por alguma logicidade. O que está longe de deixar o livro menos atrativo.

O livro é uma bela oportunidade de conhecer mais o autor estadunidense, perceber como ele se comporta, como enxerga o mundo ao seu redor, como funcionam seus procedimentos de escrita, como ele entende o próprio “ofício” literário e assim por diante. Hemingway descrevendo o cotidiano de recursos escassos que ele, sua mulher e seu filho pequeno tinham é bastante interessante e mostra que apesar das limitações orçamentárias, a família Hemingway tinha uma vida bastante agitada e profundamente humana.

O poder da prosa de Hemingway, aliás, vem justamente desse sentimento “meio rústico” mas profundamente humano, investido de sinceridade e simplicidade que ele usa para descrever e narrar situações e personagens. No posfácio da edição que li, estava dito que Hemingway havia estabelecido 110 regras de estilo que, ao que consta nesse texto, foram respeitados ao longo de toda sua produção, regras tais como “economizar” palavras, não usar muitos adjetivos, construir orações curtas e claras etc.

Toda essa preocupação com a fluidez e a clareza dos seus escritos tornam a leitura mais agradável e envolvente. Mas creio que não há algo mais curioso em Paris é uma festa do que as histórias que Hemingway conta acerca de suas relações com outros literatos da época. É a partir delas que ficamos sabendo que a esposa de Fitzgerald não parecia ser uma pessoa nada agradável e que Fitzgerald tinha um belo quinhão de estranheza também. Ficamos conhecendo a excentricidade de Gertrude Stein, as conversas com James Joyce, Ford Madox Ford e outros.

Essa humanização de titãs traduz bem o que a prosa de Hemingway (pelo menos Paris é uma festa, que é o único livro dele que li) me causa: o tom de conversa, o fato de parecer estar mais próximo de você do que se pode imaginar. O autor mostra que os gigantes solitários e sisudos de fotos de contracapa executam tarefas “ordinárias” e corriqueiras como qualquer um de nós. Quem consegue imaginar Hemingway e Ezra Pound jogando tênis? Ou o Joyce com a família em um restaurante? Ou o Hemingway e o Fitzgerald numa oficina mecânica esperando o carro deles ser consertado?

Flanando por Paris, tomando vinho com sua mulher ou com seus amigos, escrevendo, experimentando manjares exuberantes, negociando livros com livreiros parisienses, emprestando livros sob a égide de Sylvia Beach etc., são exemplos do que se pode encontrar em Paris é uma festa. Um livro simples, mas coroado com sinceridade e um tom acolhedor que sequestra o leitor que quer se sentir um pouco parte desse grupo de autores que conhece, mesmo que seja em sua rotina desprovida da cerimônia e da pompa com que são cercados quando a sombra do cânone.