A Polônia, apesar de todas as vicissitudes históricas e de uma auto-imagem nacional um tanto confusa, foi o berço de grandes personagens históricas. Lá nasceram Chopin, Madame Curie, João Paulo II. Czesław Miłosz também é outro polonês de peso. Ontem, juntou-se a esse verdadeiro panteão a poeta Wysława Szymborska: aos 88 anos, a vencedora do Nobel de Literatura de 1996 faleceu depois de uma longa doença – tendo, inclusive, sido operada no ultimo mês de novembro. Segundo o secretário de Szymborska, porém, a poeta morreu em sua casa em Cracóvia, de forma tranquila.

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Filha do político Wincenty Szymborski e de Anna Maria de d. Rottermund, Wysława Szymborska nasceu em 1923 na cidade de Kórnik, região centro-oeste da Polônia. Em 1924 sua família mudou-se para Toruń, e em 1929 para Cracóvia – onde ela viveria pelo resto da vida.

Uma vez em Cracóvia, ela estudou na escola primária Józefy Joteyko e, a partir de 1935, no Colégio Irmã Ursulina. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a continuidade de seus estudos foi em segredo. Em 1943, para evitar ser deportada para a Alemanha, começou a trabalhar nas estradas de ferro. Na mesma época ilustrou um livro didático de inglês. Começou a escrever algumas histórias e poemas.

Em 1945 começou seus estudos de língua e literatura polonesa na Universidade Jagellonica de Cracóvia – mais tarde mudaria de curso para sociologia. Nessa mesma época começou a envolver-se no universo literário, tomando parte do grupo de vanguarda Inaczej – junto com Stanisław Lem. Também acabou conhecendo Czesław Miłosz, que muito a influenciaria. Foi em 1945 que também publicou seu primeiro poema, Szukam słowa (Eu procuro a palavra).

Em 1948 ela desiste dos estudos por conta de dificuldades financeiras. No mesmo ano se casa com o poeta Adam Włodek. Em 1949 seu primeiro livro deveria ter sido publicado, mas a censura impediu, já que seus versos não se encaixavam nos padrões do recém-instaurado regime socialista. Durante esse tempo ela trabalhava como secretaria de uma revista bissemanal, bem como ilustradora.

Acabou começando a publicar apenas em 1952, com Dlatego żyjemy (Por isso vivemos). Como a maioria dos intelectuais poloneses, ela apoiava o regime socialista em seus primeiros anos, e seus poemas demonstravam isso com clareza: exaltavam Lênin e os feitos de Stálin. Em 1953 começou a trabalhar para a revista Życie Literackie (Vida Literária) – onde trabalharia até 1981, chegando a ter sua própria coluna dedicada à crítica literária, Lektury Nadobowiązkowe (Leitura Não-Obrigatória).

Em 1954 ela lançou seu segundo volume de poesia, Pytania zadawane sobie (Perguntas que fazemos para nós mesmos), ainda bastante influenciado pela ideologia oficial do Partido dos Trabalhadores Poloneses Unidos, o partido comunista polonês – ao qual era filiada. Nesse mesmo ano, a poeta também divorciou-se.

Depois desse segundo livro, porém, Wysława começou a distanciar-se do partido. Permaneceria oficialmente nele até 1966, mas antes disso já afastava-se paulatinamente, começando a manter contato com dissidentes. Em 1957, ano em que lançou Wołanie do Yeti (Chamando pelo Ieti), tornou-se amiga de Jerzy Giedoryc – editor do jornal dissidente baseado em Paris, Kultura, para o qual Szymborska passaria a escrever.

Seus poemas afastavam-se da política, tornando-se cada vez mais espirituais, falando cada vez mais de coisas simples, cotidianas. Ela chegou a renegar seus dois primeiros livros. Ao mesmo tempo, assinou diversos manifestos pela liberdade dos países sob o julgo da URSS, entre os quais a “Lista 34” e a “Lista 59”, além de escrever para alguns jornais publicados de maneira ilegal, como samizdat.

Ganhou diversos prêmios literários durante sua carreira, sendo o mais famoso deles o Nobel de Literatura. Publicou 13 livros de poesia, além de ensaios e crítica literária. Nos últimos anos esteve doente, diminuindo suas aparições públicas. E ontem, faleceu.

Uma perda histórica para a Polônia – ela viveu e participou da conturbada história do país durante o século XX, que culminou com a retomada de facto da independência após séculos de dominação estrangeira. Mas, além disso, perdeu-se uma das maiores poetas que vivia, cujos versos estão entre os mais sublimes que já tive o prazer de ler.

Sobre a morte, sem exageros

(de Wysława Szymborska, tradução do polonês de Luciano R. Mendes)

 

Não entende piadas,

nem sobre estrelas, sobre pontes,

sobre tecer, sobre mineração, sobre cultivar a terra,

sobre construir navios ou assar bolos.

 

Em nossas conversas sobre planos futuros,

sempre tem a última palavra

fora do assunto.

 

Não consegue sequer as coisas

que combinam diretamente com sua especialidade:

nem cavar uma cova,

nem fazer um caixão,

nem limpar a propria sujeira.

 

Preocupada em matar,

o faz desastradamente,

sem método nem perícia.

Como se cada um de nós fosse um treino.

 

Até tem seus triunfos,

mas costuma ser derrotada,

erra seus golpes

e experimenta novas tentativas!

 

Às vezes lhe faltam forças,

para abater uma mosca no ar.

Para várias lagartas

perdeu corridas rastejantes.

 

Todos esses tubérculos, casulos,

tentáculos, barbatanas, traquéias,

penas nupciais e pelos de frio

provam o atraso

em seu maçante trabalho.

 

Não é suficiente

mesmo que ajudemos com guerras e golpes de estado,

isso, até agora, é pouco.

 

Corações batem dentro de ovos.

Crescem os esqueletos dos lactentes.

A sementes, esforçadas, vingam com suas primeiras folhinhas,

e algumas vezes também árvores altas caem.

 

Quem afirma sua onipotência,

é a propria prova viva,

de que onipotente ela não é.

 

Não existe vida

que pelo menos por um momento

não tenha sido imortal.

 

Morte

sempre chegando um momento tarde demais.

 

Em vão puxa a maçaneta

de uma porta invisível.

Quem  chegou a tempo,

não pode voltar atrás.