Com um título digno de best-seller para moças, O ciúme (La jalousie) é um romance publicado em 1957 por Alain Robbe-Grillet, autor conhecido por integrar o Nouveau Roman, grupo de romancistas de vanguarda franceses das décadas de 1950 e 1960. A literatura de Robbe-Grillet já foi chamada de “objetiva”, “cinematográfica”, “visual” e até “anti-literária” pelo seu desejo de romper com muitas das convenções do romance burguês do século XIX para buscar um realismo condizente com a sua realidade. A percepção de que não há uma realidade, mas várias realidades possíveis no mundo, é fundamental para se entender que, na verdade, todo o descritivismo coisificante de sua narrativa apenas nos leva a ver que nunca poderemos apreender tudo que há em nossa volta.

O enredo de O ciúme é simples: temos apenas uma mulher chamada A., um homem que talvez seja seu marido e outro homem que se chama Franck se encontrando em vários momentos (como flashes de memória) na casa de uma plantação de banana em algum lugar tropical, aparentemente uma colônia francesa. O que o torna atraente para o leitor é justamente o fato de que não há verdades absolutas: temos apenas a narrativa dos acontecimentos feita por alguém suspeito, que parece ver sua esposa o traindo a todo tempo.

A visão é essencial para a narrativa desse romance, porém o fato é que não estamos vendo nada além de um livro na nossa frente. Seguimos o que o narrador nos descreve, supondo que tudo aquilo é realmente o que existe. A ilusão da literatura é o tema norteador dos romancistas modernos, segundo Robbe-Grillet, daí essa ideia de que talvez não estejamos vendo nada, ainda que sejamos induzidos para isso o tempo todo. Ao longo do romance fica claro que o narrador talvez não esteja contando algo que já aconteceu, como no romance tradicional, mas o que está acontecendo, no presente do indicativo. O tempo todo há o reforço no “agora” para enfatizar esse presente e, talvez, a presença do narrador na cena que nos descreve. Estando lá, assim como as outras personagens, ele também pode ser uma personagem e ver as coisas ao seu modo.

Esse realismo da narrativa de O ciúme talvez não seja tão neutro, assim como o leitor pode perceber por certos trechos em que drasticamente há uma mudança nos acontecimentos e nos vemos provavelmente dentro da imaginação do narrador, o marido ciumento de A. que dá razão de ser ao título do romance. O crítico Gérard Genette fez bem ao definir como um “observador maníaco” esse narrador-personagem, pois não temos exatamente um perfil prévio do marido para sabermos que ele está com ciúmes de sua esposa e tem tais e quais características psicológicas.

O ciúme, ao invés de um romance objetivo, neutro, aparece então como um texto puramente subjetivo apesar de muito imagético. Só conseguimos saber ao longo do livro que há o marido e que talvez esteja sendo traído, talvez não. Os aparentes flashes de memória que muitas vezes se repetem ou se misturam nos evidenciam a todo tempo o caráter ficcional do que lemos e a subjetividade do que consagramos todos os dias como sendo a Realidade, não tão absoluta e inquestionável quanto imaginamos.