Assim como Música de câmara (Chamber Music), os Pomes Penyeach (1927) são uma amostra da poesia, o outro lado menos conhecido de James Joyce, famoso por suas obras em prosa. O que temos em seus poemas não está longe do experimentalismo de romances como Ulysses e Finnegans Wake, já que temos nos Pomes Penyeach justamente o contrário: formas até que bem comportadas para sua época, em que aparecia quase que uma nova vanguarda por dia.

Os treze poemas que o compõem têm um caráter simbolista ou ainda romântico, bem próximos da tradição literária inglesa do século XIX. Em algumas passagens temos certos neologismos e algumas construções mais elaboradas linguisticamente, algo que poderia ser chamado de “mais joyciano”, mas nada que seja de fato tão revolucionário. Tardiamente, Joyce relevaria a importância desses seus trabalhos poéticos iniciais, porém o fato é que eles continuam aí para ser lidos (e devem ser lidos).

Como alguns podem ter notado, o título da obra é um pouco estranho. As palavras por si só, “pomes” e “penyeach”, não significam nada em inglês, mas se pensarmos em “pomes” como uma brincadeira entre “poems” (“poemas” em inglês) e “pommes” (“maçãs” em francês) as coisas já ficam um pouco mais fáceis. Também ajuda o leitor a observação de que “penyeach” se trata somente da junção gráfica de “penny” (o equivalente ao “centavo” na Irlanda de Joyce) e “each” (“cada” em inglês). A primeira edição do livro de Joyce foi vendida justamente por 12 pennies, sendo que temos um centavo por poema e uma “dose extra” (ou “tilly”, título do primeiro poema), que era dado a mais na época por comerciantes da Grã Bretanha na venda de produtos de consumo diário, como pães ou maçãs.

No Brasil, os Pomes Penyeach já foram traduzidos mais de uma vez, sendo a primeira tradução (Po’mas, pechincha), de Marcelo Tápia, foi lançada em 1986 e a segunda (Pomas, um tostão cada), de Alípio Correia de França Neto, em 2001. Para este post eu e a Luci R. M. decidimos utilizar traduções nossas de alguns dos poemas, porém o trabalho não está exatamente pronto, sendo uma espécie de work in progress. Sem muito mais a acrescentar, aí vão alguns dos Pomes Penyeach (ou Pomas porcentavo na nossa tradução ainda provisória) no original com a respectiva tradução de cada um:

Tilly

He travels after a winter sun,

Urging the cattle along a cold red road,

Calling to them, a voice they know,

He drives his beasts above Cabra.

The voice tells them home is warm.

They moo and make brute music with their hoofs.

He drives them with a flowering branch before him,

Smoke pluming their foreheads.

Boor, bond of the herd,

Tonight stretch full by the fire!

I bleed by the black stream

For my torn bough!

Extra na dúzia

(tradução de Daniel F.)

Ele viaja depois de um sol de inverno,

Guiando o gado por uma estrada vermelha e fria,

Chamando-os, uma voz que conhecem,

Ele conduz suas criaturas além de Cabra.

A voz lhes diz que o lar é acolhedor.

Eles dizem mu, fazem uma música crua com as patas.

Ele os conduz com um galho florido a sua frente,

Fumaça ornando suas frontes.

Caipira, amarra da orda,

De noite se rasgue todo no fogo!

Sangro pelo riacho preto

Por meu chifre quebrado!

Watching the needleboats at San Sabba

I heard their young hearts crying

Loveward above the glancing oar

And heard the prairie grasses sighing:

No more, return no more!

O hearts, O sighing grasses,

Vainly your loveblown bannerets mourn!

No more will the wild wind that passes

Return, no more return.

Assistindo as canoas em San Sabba

(tradução de Luci R. M.)

Ouvi seus jovens corações chorando

Amorosa vigília sobre remos a brilhar

E ouvi as gramíneas cantando:

Não mais, não mais voltar!

Ó corações, ó gramas cantantes,

Vã carpir das bandeirolas de amor!

Nunca o vento selvagem de antes

Voltará, não, não voltará!

A flower given to my daughter

 

Frail the white rose and frail are

Her hands that gave

Whose soul is sere and paler

Than time’s wan wave.

Rosefrail and fair– yet frailest

A wonder wild

In gentle eyes thou veilest,

My blueveined child.

Uma flor dada à minha filha

(tradução de Luci R. M.)

Frágil a rosa branca e frágeis

suas mãos que dão

cuja alma está mais seca e pálida

do que a onda lívida do tempo.

Roseafrágil e bela – ainda mais débil

Uma maravilha selvagem

Em olhos gentis velastes

minha filha azul-venosa.

She weeps over Rahoon

Rain on Rahoon falls softly, softly falling,

Where my dark lover lies.

Sad is his voice that calls me, sadly calling,

At grey moonrise.

Love, hear thou

How soft, how sad his voice is ever calling,

Ever unanswered and the dark rain falling,

Then as now.

Dark too our hearts, O love, shall lie and cold

As his sad heart has lain

Under the moongrey nettles, the black mould

And muttering rain.

Ela chora sobre Rahoon

(tradução de Daniel F.)

Chuva chega em Rahoon leve, leve chegando,

Onde meu amante descansa.

Triste é sua voz que me chama, triste chamando,

Sob a lua cinza que se levanta.

Amor, escutai vós

Quão suave, triste é sua voz chamando,

Nunca ignorada, e a negra chuva chegando

Agora e após.

Negros nossos corações, amor, frios como concreto

Como seu triste coração antes

Sob as urtigas cinzalunares, o mofo preto

E chuvas murmurantes.