“Isso é só o começo!” Essas foram as primeiras palavras cantadas por Lenine em seu show. E, para mim, assim foi mesmo: havia perdido a conferência de abertura com Luis Fernando Veríssimo, Antonio Cícero e Silviano Santiago, e não estava particularmente interessado na Ciranda de Tarituba que tocou antes – minha porção de raízes se apresentaria depois, com o cantor pernambucano.

lenine

Não conhecia praticamente nenhuma das músicas cantadas pelo artista, meu conterrâneo, com exceção de uma que o público insistentemente pediu aos gritos: “Paciência”, creio que era o título. Mas não penso que isso mude em nada a sensação de volta para casa que tive ao ouvi-lo, semelhante à leitura de A máquina, romance de Adriana Falcão. Essa coisa de matar a saudade de algo que nunca tinha visto antes.

O show chamava-se Chão. A intervenção de barulhos da cidade (buzinas, carros passando, pessoas andando sobre cascalho) misturada às luzes e a presença de palco do cara (ops, estou esquecendo de algo… ah! a música!) fizeram do show um belíssimo pé direito para esse começo de Flip. No meio do show, lembrei da música I walk like Jane Mansfield e pensei que faria sentido o povo sair de lá andando como Lenine, conquanto não seja lá muito prático.

Quem vai lavar a roupa? Fonte. E pra raiar o dia? Horizonte. Aqui é uma maravilha. Mas como faz pra sair da ilha? Ponte de pensamento. Eu não tenho ideia de como seja a letra realmente. ((Para os puristas de plantão: “Como é que faz pra lavar a roupa?/ Vai na fonte, vai na fonte/ Como é que faz pra raiar o dia?/ No horizonte, no horizonte/ Este lugar é uma maravilha/ Mas como é que faz pra sair da ilha?/ Pela ponte, pela ponte”)) No meio de tantas canções, creio que a música tenha sido tão marcante para mim justamente pelo meu aprendizado gradual nisso que chamam tão clichê de “escola de vida”.

Há o que temos de fazer (o trabalho, o lavar a roupa) e o que acontece naturalmente (o raiar do dia). O que acontece naturalmente já é bom o bastante para admirarmos o mundo (raiar do dia, a maravilha), mas não é o suficiente. Bom mesmo é sair da bolha de egoísmo do dia a dia, do protagonismo de nossos own little movies about our precious little lives e “sair da ilha com pontes de pensamento”.

O Arthur de anos atrás teria simplesmente deixado as malas na casa do Meia Palavra tão logo todo mundo chegasse; correria para ver o bom e fofo velhinho na conferência de abertura e voltaria para casa tão logo acabassem os eventos da primeira noite. Para que procurar depois o Café que, segundo o SMS recebido, se chamaria “Paratoba” (o nome era Paraty, claro)? Para que cansar as pernas e continuar dando topada nas pedras da rua? Não há uma razão muito boa (ou lógica ou prática): “para não ficar só” e “porque é legal” são respostas corretas, mas invariavelmente bobas.

Rompi a bolha de meu protagonismo e fui atrás de pontes. “A vontade de viver do Tuca é maior do que a de todos os integrantes dessa casa”, disse Antônio Xerxenesky, o consagrado autor de Ghostwriters do barulho, no prelo para 2027. Há algo de exagero na frase, mas ela pode ser respondida como um simples “é culpa da companhia”.