Virginia Woolf é frequentemente tida como referência quando as pessoas falam de “escritoras mulheres”. Para muitas pessoas, aliás, seu gênero parece ser a parte mais fundamental de sua escrita: não é tanto a qualidade de Mrs. Dalloway, de To the Lighthouse ou de qualquer outro de seus outros livros que importa, mas o fato de que foi uma mulher que os escreveu.

Se, por um lado, acredito que a obra de Virginia Woolf seja mais importante do que os genitais ou o papel que a sociedade lhe impôs; por outro eu entendo o quanto a existência de uma escritora de sua monta representa – ainda mais se pensarmos que, ainda hoje, 70 anos depois de sua morte, as pessoas ainda categorizam obras pelo gênero do autor.

E se pensarmos que, na verdade, a condição da mulher na sociedade não evoluiu tanto quanto parece – fala-se de liberdade sexual e de igualdade de condições, mas continuamos a ver propagandas machistas, a reprodução de padrões patriarcais e heteronormativos que acabam por incentivar a chamada cultura do estupro e outras espécies de abusos e violências (tanto morais quanto físicas) – Virginia ganha ainda mais relevância quando se lê os ensaios e resenhas presentes em Profissões para mulheres e outros artigos feministas.

Trata-se de uma coletânea de textos recém publicada pela L&PM, aproveitando a entrada das obras da autora em domínio público no começo deste ano. Até onde eu saiba, os textos eram inéditos no Brasil até então. São eles: “Profissões para mulheres”, “A nota feminina na literatura”, “Mulheres romancistas”, “A posição intelectual das mulheres”, “Duas mulheres”, “Memórias de uma União das Trabalhadoras” e “Ellen Terry”.

O primeiro dos textos, “Profissões para mulheres”, é um texto que a autora de Mrs. Dalloway  leu perante a Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres. Discorre a respeito das dificuldades que as mulheres enfrentavam no mercado de trabalho, que se abrira para elas poucas décadas antes – e qualquer forma de reconhecimento era extremamente difícil de ser obtida. O penúltimo texto, “Memórias de uma União das Trabalhadoras”, relaciona-se com este em seu tema: é o prefácio para uma coletânea de ensaios escritos por um coletivo de trabalhadoras inglesas. Em ambos os textos Virginia elogia as mulheres trabalhadoras e aponta para as dificuldades que as mulheres enfrentavam (e ainda enfrentam, diga-se de passagem) ao ousarem aventurar-se a abandonar (quase sempre apenas parcialmente) a ocupação de donas-de-casa – sem deixar de apontar que, apesar de mulher, sua condição de membro da classe média lhe confere uma série de privilégios.

A nota feminina na literatura”, “Mulheres romancistas” e “Duas mulheres” me soam um pouco menos interessantes: são resenhas de livros escritos por mulheres de sua época, ou de livros sobre escritoras de sua época. Quiçá, porém, os textos só me interessem menos por eu não conhecer as autoras e obras citadas, e pelo meu interesse um tanto mirrado pela literatura de língua inglesa, em comparação à outras.

O último texto, “Ellen Terry”, é um belíssimo elogio – calcado em profunda análise, antes de qualquer tietagem irrefletida – à atriz que dá nome ao ensaio. Atriz shakespeariana de renome, é pintada por Woolf como personagem sui generis, potencialmente uma das mulheres mais interessantes e potentes do século XX. Pergunto-me qual o prestígio que seu nome goza  hoje em sua terra natal.

Por fim, o texto que me parece mais brilhante. “A posição intelectual das mulheres” é, na verdade, uma troca de cartas entre Virginia Woolf e Desmond MacCarthy (que utiliza o pseudônimo de Falcão Afável) a respeito de um ensaio do romancista Arnold Benett. Benett, em seu ensaio, e  MacCarthy, em sua resenha elogiosa, concordavam na opinião de que, basicamente, a condição feminina implicava em uma capacidade intelectual reduzida, que – não obstante receberem graus de educação iguais ou maiores que os dos homens – nunca alcançariam as criações masculinas. Woolf elegantemente rechaça essas opiniões, apontando não apenas as falácias argumentativas de MacCarthy (e, por tabela, de Benett) mas também as condições de opressão e controle social a que a sociedade sujeita as mulheres. Tudo termina com o Falcão Afável se retirando da discussão.

Em tempos em que pipocam discussões sobre gênero e feminismo, esse livro renova uma escritora consagrada. E torna-se, por isso mesmo, bastante importante não apenas para quem se interessa pelo feminismo – mas para que quem não se interessa perceba o quanto esse tipo de discussão está entranhada nos mais variados aspectos da vida em sociedade, e que todas essas questões, longe de ultrapassadas, são cada vez mais urgentes.