Até o dia 24, teremos uma “conversa por escrito” comentando os contos da revista Granta, que reúne os 20 Melhores jovens escritores brasileiros, e cada conversa abordará dois contos por vez. Confira os posts anteriores:

Granta: Animais e Aquele vento na praça

Granta: Antes da queda e O que você está fazendo aqui

Granta: Tólia e Apneia

Granta: Valdir Peres, Juanito e Poloskei e O jantar

Granta: Noites de alface e Mãe

Granta: Temporada e F para Welles 

Granta: A febre do rato e Faíscas

TERESA

Cristhiano Aguiar

Cristhiano Aguiar nasceu em Campina Grande, Paraíba e formou-se em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco. Tem 31 anos. Em 2006, publicou o livro de contos  Ao lado do muro (Dinâmica) e em 2007 venceu o Prêmio Osman Lins de contos. Lançou, em 2010, durante a FreePorto (PE), o folheto de narrativas Os justos, em edição artesanal pela Moinhos de Vento. É colaborador do suplemento literário Pernambuco. Editou a revista de arte e cultura pop Eita!  e a revista literária Crispim. Foi curador e coordenador do Festival Recifense de Literatura e coorganizou a antologia de contos Tempo bom (Ed. Iluminuras). Atualmente trabalha em seu primeiro romance e em ensaios sobre literatura brasileira contemporânea. “Teresa” faz parte de Silêncio, livro de contos inédito. 

Liv: Bom, eu gostei do conto todo no geral. O autor foi contando a história aos poucos e de uma forma misteriosa. A primeira parte já me ganhou, mesmo sem eu saber do que se tratava a história. Também achei interessante os cortes da história de Teresa, apresentando a do profeta Elias, que foi um dos heróis mais importantes da Bíblia. E então, qual foi sua primeira impressão?

Taize: A primeira impressão foi meio confusa. Mais um conto fragmentado, tratando de várias histórias ao mesmo tempo e vários tempos dentro da vida das personagens. O que pareciam histórias diferentes vão convergindo em apenas uma: a vida de Teresa. Os trechos que narram com certo suspense essa “tragédia” que acontece na vida dela foi o que segurou minha leitura de início. Gostei da foma com que Cristhiano Aguiar foi montando esse cenário, adicionando a cada novo trecho novos elementos que vão descortinando o que aconteceu para o leitor.

Mas no meio disso temos, então, a história de Teresa. O que ficou bem evidente para mim foi a solidão dela. Primeiro, quando jovem e o marido partiu para São Paulo e ela permaneceu no Nordeste, esperando-o. Segundo, quando ele volta, mas ambos pouco interagem. E depois, a ansiedade que ela demonstra em ler para as crianças, como se esse fosse o único momento em que ela tem alguma relação com outras pessoas e “foge” de sua vida com o marido. Você também achou Teresa uma mulher solitária?

Liv: Realmente, a primeira parte eu li com um ponto de interrogação na testa. Aí percebi as marcações numéricas e vi que seria uma história dentro de outra história. Nos números 1 e 2 há uma dose de mistério absurda e é aí que o Aguiar pega a gente. Não tem como não ler “Dois cachorros procuram alguma coisa no meio dos destroços. O focinho de um dos cães empurra os dedos enlameados.” e não ficar querendo mais. É quase automático e acabou me conquistando pela curiosidade.

Sim, eu também achei Teresa uma mulher bastante solitária e o marido também. Quando li sobre o casamento deles, fiz uma imagem mental de duas pessoas dividindo a vida, porém completos estranhos. Gostei particularmente da parte em que o marido a deixou ainda jovem, onde passa a sensação de solidão e tristeza de Teresa. Na verdade, esse conto todo é bem triste. Você também achou?

Taize: Sim, também achei. Durante a vida toda Teresa pareceu viver sem muitas alegrias. E o conto, além de mostrar essa vida, ainda guarda uma tragédia. Teresa vai perdendo aos poucos as coisas que tem – até o marido com quem mal convive, a separação só se dá por meio dessa tragédia. E só restam essas lembranças fragmentadas.

Mas não sei se essa estrutura é a melhor para o conto. Os trechos iniciais intercalados vão funcionando bem, mas achei a leitura de Teresa da história de Elias meio desconectada com o texto. A história tem certa ligação com a da própria Teresa, mas é preciso analisar muito o texto para ver que ligação é essa. Só para fazer uma comparação, não funciona tão bem como em Uma leve simetria, do Rafael Bán Jacobsen, que intercala cada capítulo do romance com a história de Davi, que claramente se encaixa com o que seu protagonista vive. Em “Teresa” essa história e a vida dela pareceram desconectadas para mim.

Liv: Realmente, ficou um pouco complicado de entender. Acho que a ordem deveria ter sido invertida, a história sendo contada pela própria Teresa (faria mais sentido a narrativa desconexa depois da tragédia que viveu) e a história de Elias contada em terceira pessoa, como uma história mesmo.

Em relação à de Elias, como você compreendeu? Na minha opinião era como se Teresa esperasse um herói para libertá-la da vida triste que levava.

Taize: Pode ser que ela esperasse sim. Mas o que chegou foi a enchente, levou embora tudo o que ela tinha, a casa, os livros e o marido, e aí ela se viu livre desse casamento. Só não tenho completa certeza de que talvez fosse isso que ela quisesse, talvez apenas não tenha tido coragem de ter se separado dele – enquanto ele está em São Paulo ela continua fiel, mas mais por uma obrigação, digamos.

Mas depois da tragédia, a vida dela também não melhorou, não é? Parece que parte da sanidade dela também foi levada pela água, agora é só uma mulher velha vivendo na casa do filho, sendo cuidada por ele, que vive com essas lembranças. Não vi uma melhora para a personagem, continua vivendo uma rotina triste.

Liv: É, a vida melhorou. Talvez ela ter perdido a sanidade tenha sido a melhor saída para uma  reação em cadeia de  acontecimentos tristes. Ela não teve muitas coisas bonitas para guardar na memória. É realmente depressivo, mas eu até que gostei do final do conto e você? O que achou do desfecho?

Taize: O final retorna ao início, né. O filho leva a mãe até o quarto, cuida dela, a cobre com o lençol e deixa um livro em seu colo, assim como a própria Teresa espera que seja feito logo na primeira parte do conto. É algo rotineiro, e deixa a impressão de que ela, diariamente, tenha as mesas lembras e até leia a mesma história de Elias, até seus últimos dias. É um final bonito, se for levar em conta toda a tristeza que ela demonstra em todo o conto. Ela tem alguém que cuide dela, mas ainda é sozinha – passa todos os dias na casa sem ninguém, o filho e a nora trabalhando. Mas acho que o final não é assim tão relevante para a história, o que interessa é mostrar como foi a vida de Teresa, o que aconteceu com ela, e esse ponto forte é a enchente, que Cristhiano Aguiar conseguiu narrar muito bem criando um suspense, adicionando aos poucos mais detalhes para o leitor entender o que aconteceu.

Liv: Exatamente. O conto é escrito de uma forma em que eu acreditaria plenamente em uma nota de rodapé “baseado em fatos reais”. Penso nas Teresas solitárias que existem por aí e no final ficou o gosto de “quero mais”. Certamente vou acompanhar o Cristhiano Aguiar mais de perto.

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Leandro Sarmatz

Leandro Sarmatz vive em São Paulo desde 2001, onde trabalhou nas editoras Abril e Ática, e atualmente trabalha na Companhia das Letras, editando, entre outros autores, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e Otto Lara Resende. É poeta, contista, dramaturgo e nasceu em Porto Alegre em 1973. Mestre em Teoria Literária, é autor da peça Mães & Sogras (IEL, 2000), dos poemas Logocaustro (Editora da Casa, 2009) e dos contos reunidos em Uma fome (Record, 2010). 

Anica: Um pai perto da morte resolve procurar o filho que abandonou para contar tudo que aconteceu desde que deixou o lar. Eu tive sentimentos meio contraditórios sobre o conto. Gostei que ele tem um resgate histórico (mesmo que en passant) do Brasil das décadas de 60 até 80 (pelo menos foram os períodos que reconheci de forma mais clara), mas por outro lado há algo ali que ainda não consegui identificar que parece em excesso, e aí o texto não flui tão bem. O que você achou?

Taize:  Eu também terminei a leitura sem saber direito o que achei do conto. Ele é bem escrito, mas senti falta de um propósito no conto. Quer dizer, é apenas um pai contando o que aconteceu com ele para o filho. Mas por que?  Por que ele está morrendo e procura de alguma forma o perdão do filho? Ele não parece ser uma personagem que se importe com isso, nem um pouquinho.

Mas o conto tem seus pontos fortes, sim. O protagonista diz ter abandonado a família como uma forma de consertar o erro que tinha feito – se casar, entrar para aquela tradicional família judia – e ele passa ao leitor tudo o que o irrita dentro desse mundo, dá motivos para ele querer se libertar disso. Isso foi algo que o conto me passou muito bem, só faltou aquele propósito: por que estender toda essa história para sua adolescência, o que fez depois de abandonar a família, coisas que nem ao menos tinham relação com eles? É um conto longo que se debruça apenas nas “aventuras” desse homem, sem mostrar uma ponta de arrependimento da parte dele, contando toda a história sem nem saber se o filho realmente quer ouvi-la – consigo imaginar o cara sentado na poltrona meio entediado lendo sobre o pai.

Anica: Bem colocada essa questão – como um homem que parece não se arrepender de nada que fez da vida vai atrás do filho? Eu não sei se ele buscava perdão, para falar bem a verdade. Ele fala algo sobre curiosidade mórbida e vá lá, todos nós temos um pouco disso com as pessoas que deixamos para trás de quando em quando – como estão, o que estão fazendo.

Você comentou sobre a questão da família tradicional judia influenciando no começo da vida dele como pai de família e olha, acho que foi um dos melhores momentos do conto mesmo, até porque faz muito sentido, fala alto para muita gente: todo mundo tem uma história de um sogro/sogra que se meteu demais na vida de um casal que estava começando, como se isso fosse uma espécie de primeira prova a ser vencida pelo nova família que se forma. Prova essa que o protagonista
não venceu, resolveu simplesmente abandonar.

Talvez este desapego dele que torne um pouco difícil criar uma simpatia por toda a história que ele conta, porque é difícil criar um pouco de simpatia por ele, no final das contas. Mas acho que o momento da juventude ele quis retratar mais para mostrar aquela mudança que se dá de quando você é filho e depois passa a ser o pai, são mudanças algumas vezes sutis mas estão lá, pesando nas decisões.

Taize: Sim, é algo que pesou nele. O fato de ele ter abandonado o casamento justamente quando teve um filho dá a impressão de que ele estava mais amedrontado do que se sentindo sufocado pela família, não? Antes era apenas o sogro fazendo mil julgamentos sobre a sua profissão – jornalista, só podia ser hahaha -, agora é uma criança e uma família para cuidar. E o alívio começa com os casos extraconjugais, termina com o abandono de vez – aliás, será que não haveria certo arrependimento nesse caso, ele trair a mulher e isso magoá-la? Talvez, acho.

Concordo que depois de um tempo sem contato com alguém surge aquela curiosidade sobre o que ele andou fazendo com a vida, mas não acho que esse seja o caso dele. Não sabemos se ele foi procurado pelo filho querendo saber o que aconteceu com o pai, o conto já começa com ele narrando tudo o que aconteceu. O que o conto traz é um cara no fim da vida despejando pro filho tudo o que fez, mas o filho tem esse interesse mesmo? Pode ser que sim, mas não sabemos porque Sarmatz também não dá pista nenhuma sobre o que o filho pensa do pai, o que ele sente sobre o homem que abandonou a família. Não sabemos se ele se importa, ele pode tanto estar emocionado lendo sobre a história do pai quanto com raiva – um babaca que não aguentou a responsabilidade e foi viver por aí como um porra louca.

Anica: Eu acho que o filho não tem muito interesse sobre o que o pai fez, mais até pelas últimas palavras do conto. Na realidade, eu fiquei quase com a impressão que o filho nem estava ali de fato, talvez fosse um diálogo imaginário – repare que não tem muita marca (não consigo lembrar de alguma agora) na conversa que indique um diálogo, mas só um monólogo mesmo. Você acha que um filho abandonado pelo pai ficaria só ali ouvindo tudo aquilo, sem se intrometer um segundo sequer com perguntas?

Mas assim, eu gostei do conto. Acho que o ponto negativo dele é que parece longo demais, com esses trechos meio que “sobrando”. Talvez com um pouco menos de informação/devaneio o texto teria fluído melhor do começo ao fim.

Taize: Eu não vi o conto como um diálogo, mas como uma carta. Ele escrevendo umas memórias e se justificando para um filho que não demonstra se importar, talvez essa carta nem esteja sendo lida, pode ter sido deixada dentro de uma lata de lixo pelo filho que não quer saber do pai. Enfim, ou ele escreveu apenas para o “descarrego”, por estar no final da vida e sentindo que deve uma satisfação a alguém.

Acredito que o que tenha tornado o conto pouco atrativo para mim foi justamente o tamanho. Tirando essas partes que “ficaram sobrando” – esses momentos antes do casamento dele, por exemplo, pouco me interessaram -, eu teria ficado mais atenta à leitura e gostaria mais.