“A breve duração de nossa vida é cercada, por todos os lados, pelo nada. O vivaz planeta Terra se move pelo escuro infinito”p. 159

A desilusão e angústia de um homem que atingiu a maturidade, construiu uma bela família e conquistou o sucesso profissional, mas é incapaz de atravessar um ambiente descampado, ou pegar um elevador, andar de metrô, cruzar uma ponte e tantas outras impossibilidades fóbicas de sua existência imperfeita.

A história de Allen Shawn pode nos passar uma primeira e superficial impressão de ser apenas mais uma narrativa lamuriosa dos dramas de um neurótico burguês, tal qual um personagem de Woody Allen. Filho de um lendário editor da revista The New Yorker, nascido e criado na parte mais nobre da cidade, Upper East Side, numa família judia e abastada e hoje um reconhecido compositor, é difícil comprar as neuroses e fobias de Allen num primeiro momento.

Bem que eu queria ir foi lançado em 2007, e eu comprei de imediato. Li, porém, apenas as primeiras folhas e tive todas as impressões que citei acima, além de me incomodar com o mergulho científico que o autor faz logo de cara, citando médicos e psicólogos sobre as causas e reações dos ataques fóbicos. Àquela época, contudo, eu era apenas portador de um leve Transtorno-Obsessivo-Compulsivo, com rituais que não atrapalhavam (tanto) minha rotina e que conseguia perfeitamente esconder de amigos e familiares. Mas o tempo passou e o calo apertou, o TOC revelou um Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), que demandou cuidados maiores e me trouxe problemas mais intensos – como crises de pânico dignas das que Tony Soprano tinha em Família Soprano. Voltei, portanto, aos relatos de Shawn.

O ponto positivo inicial da obra é a honestidade com que trata um tema que nós, portadores, tentamos esconder de quem quer que seja. A fobia, o TOC e outros distúrbios de ansiedade trazem, além da impossibilidade de realizar inúmeras tarefas, a constante vergonha que vem com o fracasso.

Ao dar uma “segunda chance” pra esse livro, logo fiquei arrependido de tê-lo abandonado tão bruscamente na primeira leitura e formulado opiniões tão precipitadas sobre a vida do autor. Shawn passa a narrativa inteira desconstruindo seu passado e, com isso, desnudando sua embotada família: uma família presa ao seu status social, onde nada era discutido com honestidade; além disso, seu respeitado pai era bígamo e, analisado por Shawn em retrospecto, também tinha muitos sintomas fóbicos. Acrescenta-se à receita uma mãe superprotetora e também a irmã gêmea autista do autor e começamos a entender algumas teorias freudianas de traumas trazidos da infância que reagem na vida adulta dos indivíduos.

Conversando com psicólogos, neurologistas e psiquiatras, fazendo uma extensa pesquisa sobre o tema e encontrando referências na literatura e na vida de alguns escritores (como Emily Dickinson), o autor não esconde que a obra é uma busca pelo entendimento de sua condição. Com esses elementos e com uma narrativa constantemente melancólica, em que conta suas tantas tentativas frustradas de enfrentar as fobias, Shawn cria uma agradável conexão com o leitor e faz com que o livro pareça uma conversa com um amigo que nos revela um segredo de que partilhamos, e que temíamos revelar.

Ler os relatos de alguém que passa por reações e sensações semelhantes às nossas faz o peso dessa condição penosa parecer menor, porque não mais carregamos sozinhos. Ler os relatos de Shawn se torna especialmente interessante, porque o autor é um fóbico desde a infância, mas que não se conformou com sua condição, não ficou refém dela, nem se enclausurou numa zona de conformo, mas buscou (e ainda busca) bravamente enfrentá-la, seja à base do conhecimento do problema ou dos vários métodos de tratamento.

Nesse mundo inconsistente, por vezes perigoso e difícil de enfrentar dos fóbicos e dos ansiosos-patológicos, perdidos nesse Universo pouco amigável, insignificantes em meio aos arranha-céus das metrópoles-claustrofóbicas; é bom encontrar semelhantes, gente que sente o mesmo gosto amargo da limitação que sentimos diariamente. Não cura, mas diminui a sensação de sermos extraterrestres em nosso próprio planeta.