Na última década, Gonçalo M. Tavares (1970), jovem escritor português, vem surpreendendo a todos com sua grande e variada produção literária, que já lhe rendeu alguns dos maiores prêmios do mundo de língua portuguesa. Por Jerusalém, romance publicado em 2004 e lançado no Brasil em 2006, o autor recebeu a maior quantidade de premiações, como o Portugal Telecom de 2007. Percebe-se que deve se tratar de uma obra especial no cenário atual, porém é sempre necessário não criar grandes expectativas para uma literatura ainda nos desconhecida, quando pegamos o livro para ler pela primeira vez.

Jerusalém, que faz parte de uma tetralogia de Gonçalo chamada “O reino”, parece ser um romance que se destaca de sua obra pela violência com que trata sua matéria. O enredo em si se mantém atrelado especialmente à figura de Theodor Busbeck, renomado e rico médico, estudioso da sanidade e do horror humano. Apesar da importância da personagem, somos apresentados inicialmente a Mylia, que transtornada procura se manter sã ou pelo menos acreditar que já foi assim. Em outro capítulo, descobrimos Theodor com todo seu interesse em ajudar Mylia a entender que não é louca como seus pais alegam ser, mas que apenas possui um desequilíbrio entre as esferas mental e espiritual, sendo essa última considerada também pelo médico. Logo ela passa de caso especial a sua esposa.

Daí em diante a trama de relações de opressão e submissão de Jerusalém começa a se estruturar de maneira mais complexa. O casamento não dá certo e termina com o internamento de Mylia em um hospital psiquiátrico dirigido por Gomperz Rulrich, figura perturbadora que tenta dominar a mente de seus pacientes a todo custo. Sua nova paciente, aparentemente esquizofrênica, acaba abandonada pelo marido que pede divórcio ao saber que ela engravidara de outro paciente, de nome Ernst, dentro da instituição. Daí se percebe que ainda que pareça que Mylia está no centro dos acontecimentos, quem dirige sua vida é Theodor, apoiado em sua autoridade como médico.

Além da clínica, ele também atua em sua pesquisa em busca das origens e da evolução do horror ao longo da história da humanidade. Como ditador de Mylia, Ernst e do filho dos dois, Kaas, Theodor parece promover em si todos os mecanismos de opressão e controle existentes na sociedade. Esse é o caminho para o desfecho especial desse enredo, que inclui outras personagens como Hanna e Hinnerk, figuras também que encarnam a violência e o desejo humanos.

Realmente Jerusalém é um romance único no cenário atual da literatura portuguesa, mas ainda assim muito condizente com obras anteriores, que tratam da agressividade da ditadura salazarista, como as de Lídia Jorge.