O latido do cachorro, o estouro do escapamento da moto, o grito das crianças correndo, o portão do vizinho que bate – e o homem ficando cada vez mais assustadiço com os barulhos da vida moderna.

Tudo tem se tornado cada vez mais impessoal, e à mesma medida, a nossa visão sobre o outro tem sido carregada pela suspeita. Explorando uma realidade que nos é muito tangível, O Som ao Redor trabalha com inventividade as sutilezas da tênue linha que separa a vida ordinária do caos iminente.

O mínimo de percepção (pessimista) sobre o mundo moderno nos leva à consciência de que o homem vive em relações de constantes temores e constrangimentos. Seja na vida social ou no âmbito familiar, o indivíduo busca espaço de legitimação, enquanto se protege na clausura dos grandes condomínios, escondendo vícios e fobias, traumas e angústias – e tudo isso coroado pelo medo.

Hoje o mundo gira em um ritmo mais acelerado do que os passos do homem, e como (mais ou menos) disse Nietzsche, tentamos pular de um cume ao outro, mas nos falta pernas. Perdemos o compasso da história, junto com as ideologias e outras virtudes.

Uma das reflexões que O Som ao Redor provoca é a de que o ser humano já não vive, apenas sobrevive, e talvez de uma maneira próxima à pior possível.

Um filme que tenta buscar a nova identidade da classe média brasileira pós-Lula, espelhando as banalidades cotidianas de forma totalmente livre de estereótipos e com uma verossimilhança avassaladora.

Com o reconhecimento que lhe é devido, essa obra não olha para o hoje como um recorte independente da História, mas tem o cuidado de entender o processo historial que constrói o presente. Ambientado no Recife, o filme remete aos tempos das oligarquias latifundiárias e, sobretudo, da escravidão, cujos resquícios inegavelmente reverberam até os tempos atuais.

O diretor estreante em longas Kleber Mendonça Filho incita reflexões sobre o Brasil como poucas vezes visto em produções nacionais – apenas nos grandes filmes de nossa cinemateca -, e certamente O Som ao Redor vem galgando seu espaço entre os melhores produtos de nossa safra.

A fotografia simples de Pedro Sotero e Fabricio Tadeu enaltece ainda mais a atmosfera realista do filme, e reforçando essa atmosfera, a escolha por um elenco de atores que não saíram da última novela das nove, e que são tão comuns quanto nós.

Irandhir Santos novamente marca ponto positivo na carreira, escolhendo outro ótimo trabalho e sagrando-se como o ator dos melhores filmes nacionais dos últimos anos (Tropa de Elite 2 em 2010, Febre do Rato em 2011). Destaque para Maeva Jinkings como Bia, a menos banal das donas-de-casa-mãe-de-dois-filhos-e-esposa-ideal que, quando sozinha, revela-se  mulher angustiada e cheia de fúria, viciada em maconha e que faz de suas pequenas excentricidades e ilegalidades a contrapartida de uma vida enfadonha e sem perspectivas de mudanças.

O Som ao Redor nos causa o impacto que apenas um espelho quando posto à nossa frente em um dia não muito feliz pode provocar. Um filme de roer as unhas, mas sem monstros demoníacos nem efeitos especiais.

A cólera urbana, o desgaste das relações, a agressiva irracionalidade do homem, tudo isso retratado em uma produção de primeira, com ótimo trabalho sonoro, takes que merecem aplausos, atuações pontuais e tendo como a cereja do bolo – que comemos desejando que a última mordida nunca chegue – o mais delicioso sotaque recifense.