Já havia travado contato com a prosa de Amós Oz através da obra A caixa-preta, livro, aliás, que achei sensacional: muito bem escrito, muito consciente das potencialidades dos artifícios narrativos dos quais se vale e sensível em seu trato com as emoções, atos e consciência dos personagens. Todas essas características me fizeram deitar mão em De repente, nas profundezas do bosque, livro publicado em 2005.

Além desse histórico de leitura pessoal que tinha com relação ao escritor, me chamou a atenção, também, o subtítulo da obra em questão: Uma fábula para todas as idades. Juntando essas duas informações com uma outra, vê-se desenhando um belo potencial expressivo e literário para o breve livro, de 140 páginas. A outra informação a que me refiro é que Amós Oz é uma das vozes, no campo da literatura, que procura lidar com a espinhosa questão da Palestina e de Israel, e com o histórico de conflitos que permeia aquele território e aquela sociedade.

Munido dessas informações foi que percorri as páginas de De repente, nas profundezas do bosque, e a impressão final me agradou muito. A história se passa em um vila cujo nome não é mencionado; o lugar é assolado, ao que parece, por uma maldição que alijou os moradores de todo e qualquer animal que ali habitava. Desde os peixes dos rios até os pássaros das árvores, dos animais domésticos até os animais de fazenda, todos eles desapareceram. Existe um grande silêncio em torno dessa questão, especialmente por parte dos adultos, isto é, das pessoas que chegaram a conhecer os animais, uma vez que as crianças nunca os viram.

Essa conspiração de silêncio que domina a vila é desafiado pelos protagonistas, Mati e Maia, duas crianças que não se conformam com aquele mistério a rondar a existência da vila. Através da curiosidade despertada pelos raros momentos em que os adultos se põem a falar nostalgicamente do tempo em que os animais habitavam a vila, Mati e Maia resolvem explorar essa questão e tentar entender melhor o que se passou e o que se passa no lugar.

Os moradores da vila não se mostram bons informantes. A professora Emanuela, que tinha uma gata e alguns gatinhos, não está muito aberta às perguntas. Almon, o pescador, que tinha como animal de estimação o cachorro Zito, não os ajuda muito. Nem Solina, a costureira; nem Danir, o consertador de telhados; nem Lília, a padeira, se mostram dispostos a ajudar na busca de Mati e Maia. As explicações dadas pelos adultos são sempre lacônicas e enganadoras, comumente acompanhadas de reprimendas que procuram vetar a insistência dos dois naquele assunto.

A floresta que circunda a vila pode guardar informações sobre o paradeiro dos animais ou a razão de seu desaparecimento. No entanto, as histórias dos adultos desaconselham essa empreitada, já que Nimi, uma criança que ousou adentrar na floresta, ficou com a “doença do relincho”, ganhando o alcunha de “o potro” e passando a se comportar muito estranhamente.

Parece haver um consenso por parte dos adultos quanto à explicação daquele insólito acontecimento: o responsável pelo desaparecimento dos animais era Nehi, o demônio da montanha, que havia punido a vila roubando-lhe os animais. Essa história, contudo, não convenceu de todo Mati e Maia, fazendo com que eles continuassem investigando o caso dos animais desaparecidos.

Entrar na floresta tornara-se imperativo após outras investigações terem sido frustradas, e é lá, precisamente, que eles encontram a curiosa resposta ao enigma dos animais, uma descoberta repleta de significados que extrapolam a literatura e ganham expressividade precisamente em seu diálogo com as condições históricas e as posições políticas do escritor e de sua obra.

De repente, nas profundezas do bosque é um livro muito sensível na forma como constrói sua trama e como descreve seus personagens e suas trajetórias. É uma fábula que, mais do que por moralismos, é inspirada por uma reflexão que sabemos conduzir a narrativa, pois Oz não procura tratar sua literatura como pura diversão ou fazer jus àquela ingênua expressão que considera a literatura como o “sorriso da sociedade”. Sabemos que a trama encampada ali é produto de um processo de reflexão e de concepções bastante lúcidas acerca do papel do escritor em relação à sua realidade.

A resolução da história ganha sentido quando posta diante da militância de Oz no movimento pacifista Paz Agora, do qual é co-fundador. Mais do que o histórico de conflitos que originaram a questão do desaparecimento dos animais, cresce em relevância sua resolução, e, mais do que isso, uma resolução pacífica, que preze pelo bem-estar de todo mais do que pelos princípios que inicialmente motivaram o impasse. No diálogo entre a literatura e a realidade, vemos que a fábula de Oz traduz sua posição política: mais do que a manutenção de posições reiteradas durante um longo tempo, é de interesse de ambas as partes cessar o conflito.

Antes de uma alegoria superficial de associações e correspondências mecânicas, Oz preza pela expressividade da ficção para servir como elemento desencadeador de consciência e, nesse sentido, como construção artística com potencial de argumentação. A história de Maia, Mati e do desaparecimento dos animais obviamente não encerra a complexidade do conflito real (nem quis seu autor que ela o fizesse), mas ela é uma tentativa sensível de apresentar um ponto de vista e explorá-lo em seu potencial de analogia. A fábula, nesse sentido, possui uma moral, mas não uma moral simplista. Ela possui, sim, um esforço moral de pôr determinadas questões em perspectiva e em relevo e, por meio disso, poder analisá-las sob outro prisma. Ou seja, é explorado um potencial da literatura que definitivamente não busca furtar-se ao seu compromisso primordial e inescapável para com a realidade que a cerca.