François Ozon é um homem delicado. Esse parisiense de quarenta e seis anos fez de sua filmografia uma sátira da vida moderna europeia, bebendo um pouco do nonsense de Resnais, buscando o discreto charme da burguesia que Buñuel desnudou tão bem e tirando de si uma capacidade notável para exageros. Seus filmes são quase sempre protagonizados por mulheres fortes e ora explicitamente, ora não, abordam a homossexualidade.

Numa filmografia de quase uma dúzia de longas já dirigiu Catherine Deneuve, Emmanuelle Béart, Isabelle Huppert e agora em seu mais novo projeto, Kristin Scott-Thomas.

Prestigiado por uma parte dos cinéfilos e da crítica, Ozon pertence ao polêmico grupo de diretores franceses contemporâneos que tem provocado acalorados debates entre os entendidos do assunto. Há quem diga que os novos filmes franceses (da safra de Românticos AnônimosBem Amadas e Holy Motors, mas devidamente considerando as exceções) revelam um Cinema que perdeu o vigor, uma arte desinteressante e desinteressada que é uma piada para sua própria História. Outros enxergam nos excessos de Honoré, no pastiche de Ozon e no nonsense de Leon Carax uma nova forma de brilhantismo desse país que tantas coisas boas já fez ao Cinema (inclusive inventando-o).

O fato é que Ozon consegue levar público às salas, inclusive esse que vos escreve e que não se definiria bem como um de seus fãs. Contando sempre com uma boa distribuição, seus filmes chegam ao país e despertam certo interesse. Assim, depois do musical-tributo-a-Agatha-Christie 8 Mulheres (2002) e do difícil de engolir Potiche (2011), o diretor nos traz Dentro de Casa.

Um professor de literatura de ensino médio descobre um pupilo, Claude, um menino quieto e misterioso que escreve muito bem. O professor então o auxilia na produção dos textos, mas o conteúdo deles dizem respeito à família de um dos seus colegas de classe e a cada novo texto o limite entre ficção e realidade se torna mais duvidoso e o jogo entre professor e aluno mais perigoso.

A trama interessante produziu um ótimo trailer, que talvez seja até melhor que o filme. Contando com Fabrice Luchini como o professor, a insinuação de interesse sexual fica posta desde o princípio. O ator interpreta esse homem de forma completamente desinteressada da mulher, quando na verdade o roteiro dá indícios de que seu desinteresse cresce paulatinamente, à medida que o jogo literário com seu pupilo se torna mais intenso. Quando sua esposa Jeanne (Kristin Scott-Thomas) pergunta: “Você está interessado por Claude?” – é fácil notar que a plateia se esvai num cálido: só ela não sabia.

A trama tenta brincar com a ficção e a realidade, mas desconstrói essas barreiras tão frequentemente que em dado momento perde o controle e nunca mais retoma. Dentro de Casa  é como um músico que ensaia com afinco e qualidade, mas que na hora do espetáculo desafina e não consegue retomar o ritmo.

O menino Claude, personagem mais intenso da trama, não deveria ser vivido por alguém ainda tão púbere quanto Ernst Umhauer. Imaginei em seu lugar Enza Miller, hipnotizante em Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011), que talvez chegasse a um tom mais ideal ao personagem e faria o filme ganhar muito.

Porém não apenas Ernst não convence como um maquiavélico juvenil que tenta destruir uma família e, fracassando, parte na tentativa de destruir outra, mas o roteiro também falha tão grotescamente que prejudica os personagens. O desfecho do casal Germain e Jeanne é apenas patético e todas as insinuações sexuais, homossexuais, panssexuais dessa trama me fizeram achar que Ozon fora possuído pelo espírito de Passolini (mas sem metade da qualidade).

Até certa altura do roteiro Claude é um psicopata, um bom escritor em construção que não vê impedimentos morais para buscar o que deseja: escrever bem e conquistar a mãe de seu amigo (Emanuelle Seigner, esposa de Roman Polanski). Mas a partir de um momento, Claude vira um menino chorão, apaixonado, chato e nem um pouco racional, que fantasia tão tolamente quanto os mais doces textos do Romantismo. Parece aqui que Hannibal Lecter foi substituído por Jane Austen.

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Cabrón, por que não consegue fazer um filminho bom?

Esse filme inconstante tem sido considerado o trabalho mais primoroso de Ozon, talvez seja. Sua filmografia não enche a boca, nem o peito de um coração cinéfilo. Ozon tem a péssima capacidade de destruir boa arquitetura com má decoração, é isso que fez quando colocou madame Deneuve para dar passinhos ensaiados e vergonhosos nas músicas de 8 Mulheres e é isso que repete nas acrobacias dramáticas e patetices técnicas que tenta realizar em Dentro da Casa.