A literatura é feita, basicamente, de obsessões. Obsessões e desvios.

Em seu Passos de Caranguejo o escritor alemão Günter Grass narra várias histórias – como é de seu costume. Mas existe um ponto nevrálgico, que se torna central a todas elas: o assassinato de Wilhelm Gustloff, líder do partido nazista da Suíça, em 1936. Gustloff foi um dos principais responsáveis por distribuir os famosos ‘Protocolos dos Sábios de Sião’, ferramenta de propaganda antissemita criada pela Okhrana (a polícia secreta do czar Nicolau II) que colocava os judeus e os maçons como pivôs de um plano para a dominação mundial.

Foi morto a tiros por David Frankfurter, jovem estudante de medicina, de origem judaica. Frankfurter preocupara-se com a ameaça nazista e decidira agir por conta própria. Foi condenado a 18 anos de prisão, tendo recebido um perdão ao fim da Segunda Guerra Mundial, com a condição de que deixasse o país e pagasse os custos jurídicos de restituição. Exilou-se em Tel Aviv, onde morreu em 1982

No livro de Grass, o filho do narrador reencarna Gustloff para vingar-se em um outro jovem, que reencarna Frankfurter – através de salas de bate-papo da internet. Ao mesmo tempo revisita a própria história, pois nasceu no naufrágio do navio de cruzeiro que recebeu justamente o nome do chefe da seção helvética do NSDAP.

No meio disso tudo há uma pequena  passagem, quase insignificante, em que o narrador pesquisa as ocorrências do nome de Gustloff pelo mundo. Não me recordo de todas – na verdade esqueci quase todas. Mas, além do tal navio (que é central demais na novela para ser esquecido), lembro-me de um outro caso: cita que na cidade brasileira de Curitiba houve uma casa chamada ‘Casa Wilhelm Gustloff’.

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A primeira vez que li esse livro foi lá por 2004, 2005 – não me lembro. De lá pra cá venho tentado encontrar a tal casa, pois me parece bastante grave que a cidade em que eu viva tenha tal herança.

O primeiro lugar foi a internet, obviamente. Pouco sucesso. Como se tal casa nunca tivesse existido, ou se o nome fosse um mero detalhe que ninguém pensasse em lembrar. Concordo que nomes de casas não costumam valer de muito, mas em casos assim…

Prossegui à caça de Gustloff nas ruas: andei a pé e de carro em todos os locais que me pareciam propícios a uma homenagem a um líder nazista. O que, em Curitiba, não são poucos lugares. Fui a inúmeros bairros, andei por todas as ruas em que me recordava de existirem palacetes, casarões e mansões, li atentamente todas as placas nas fachadas de casas antigas.

Por fim, dei-me por vencido. Desisti. Ou não: obsessões não se deixam abater, e, adormecida, a ideia de encontrar a Casa Gustloff retornava e novas buscas seguiam. Mas o sucesso parecia distante.

Eis que há algum tempo uma amiga começou a trabalhar no Arquivo Público do Paraná e começou, por conta própria, a pesquisa sobre a presença de nazistas por estas bandas. Eis que ela encontra menções à uma casa de cultura alemã dos anos 1930, a uma tal ‘Gustloff Haus’, no bairro do Barreirinha – bairro mais conhecido pela presença de poloneses do que de alemães e que, se não me engano, recebe menções em alguns contos de Dalton Trevisan.

Pesquisando novamente na internet, utilizando dessa vez o topônimo alemão, encontrei um indicativo esparso de endereço: Avenida Anita Garibaldi. Fomos, eu e essa amiga, caminhar pela tal avenida – procurando sem saber exatamente o quê. Chovia um pouco e fazia frio, eu não estava no melhor dos ânimos e fumava cigarros que eu mesmo enrolara.

A cena, no entanto, só serviu para originar essa descrição exageradamente literária: não achamos nada. Conjecturamos muito, porém. Marcamos mentalmente pelo menos quatro ou cinco possíveis lugares que teriam sido a casa Gustloff – casa de cultura alemã e sede do partido nazista do Brasil.

Voltando à internet encontrei fotos do local e deparei-me com a informação de que tinha sido destruído, sabe-se lá quando. Também não descobrimos o endereço exato. Wilhelm Gustloff escapou-me mais uma vez.