“Nunca confie em alguém que não trouxe um livro consigo.”

Não acho que as pessoas liguem tanto assim para a imagem que passam. Talvez elas simplesmente não levem a sério essa famosa citação de Lemony Snicket. Deve ser por isso que tem tanta gente lendo as mesmas revistas de sempre nos diversos tipos de salas de espera por todo o Brasil. Quem sempre leva um livro consigo não sofre desse mal. Não que “levar um livro consigo” evite que você se pegue distraído, olhando atentamente para o encontro entre duas paredes e o teto, pensando com seus botões se o advogado manifestará confiança em uma decisão judicial favorável ao seu caso, ou se os exames farão o médico indicar um tratamento mais agressivo, ou se você conseguirá contar ao terapeuta tudo aquilo que planejou em casa.

Dia desses, pensei em como seria interessante um livro em que acompanhássemos um personagem apenas durante esses não momentos (a espera por algo muitas vezes é vista como um não algo), nesses não lugares (um local inventado para que você fique à vontade enquanto espera, mas em que, na realidade, você não consegue ficar realmente à vontade – afinal, se fosse para ficar à vontade, você ficava em casa). O que o personagem estivesse lendo talvez dialogasse com o que teria acontecido pouco antes ou o que estaria prestes a ser revelado quando entrasse no consultório ou escritório. Mas, às vezes, o livro estaria tão bom que ele se esqueceria tanto do passado recente quanto do futuro iminente.

Como estudo de caso, resolvi listar algumas de minhas leituras de sala de espera recentes. As últimas são sempre as mais fáceis de lembrar. Não creio que elas sirvam para o estudo de personagem exemplificado acima (não pretendo, aqui, investigar relações entre as leituras e a minha vida fora da sala de espera), mas, em vez disso, talvez funcionem como dicas de o que levar consigo para uma delas – e não se obrigar a ler uma Caras de agosto de 2011.

conversas_entre_escritores_CAPA.pdfConversas com escritores, Ramona Koval (Editora Globo)

Entrevistas brigam em pé de igualdade com contos e crônicas como o melhor tipo de texto pra se ler em salas de espera. Às vezes, dá tempo de ler uma inteira; às vezes, não – mas elas podem ser facilmente pausadas no meio e retomadas logo depois do compromisso. Ainda não terminei de ler o volume, mas já valeu a pena tê-lo na estante pelas respostas de Joseph Heller, Ian McEwan e – principalmente – Joyce Carol Oates (por que ainda não a li?) às perguntas da interessada Ramona. A seleção parece anglocêntrica demais para o meu gosto, mas creio que, durante a leitura, será interessante descobrir autores cujos nomes parecem dizer muito à entrevistadora e a mim não dizem nada.

O filho da mãe, Bernardo Carvalho (Companhia da Letras)

Uma releitura, para o grupo de estudos e para a dissertação que estou prestes a escrever. O romance, para mim um dos pontos altos da coleção Amores Expressos (gosto bastante de Cordilheira, também), se passa em São Petersburgo e é uma história de amor trágico. Foi o livro que me fez ter certeza de que tinha virado fã do autor. Provavelmente, o mais gostoso de se ler dele. Possui respirações internas aos capítulos suficientes para que estes sejam lidos aos poucos na sala de espera.

 

Névoa, Miguel de Unamuno (Editora Liberdade)

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Revista Jandique, autores diversos

Lia o primeiro a trabalho, para resenhar para o Rascunho. Não o recomendo para a sala de espera: creio que seja melhor lê-lo numa sentada, sem pausas. Já me prometi que, quando relê-lo, será desse jeito. Já a revista Jandique, que resenhei para o leitor comum, tem contos de tamanhos diversos, que podem ser escolhidos de acordo com o seu ritmo de leitura e seu grau de antecedência para o compromisso agendado. Os destaques da publicação ficam para o primeiro e o último conto, assim como para as ilustrações de Daniel Gonçalves. Uma boa forma de entrar em contato com a literatura que está sendo feita em Curitiba.

 

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Noturno indiano, Antônio Tabucchi (Cosac Naify)
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Sérgio Y. vai à América, Alexandre Vidal Porto (Biblioteca Pública do Paraná)

Mais uma dobradinha. Levei o primeiro por desencargo de consciência: tinha que refazer um seminário a respeito do romance, pois o primeiro tinha sido um desastre. Acho que o mesmo que falei para Névoa vale para este. O segundo romance me acompanhava pelo simples motivo de que eu não conseguia largar a leitura. Não que ele seja um thriller ou algo do gênero (não recomendo, por exemplo, que ninguém comece a ler Garota exemplar, de Gillian Flynn, quando tiver muita coisa para resolver – ou um compromisso logo em seguida (!); esse, sim, é um baita thriller, que você não consegue largar até chegar ao fim e que atrasa toda a sua vida). Não. É, de certa forma, uma história feliz: conta a história de um psiquiatra e de um paciente, o tal Sergio Y., que se consultou com aquele até achar que a terapia tinha dado certo. Mas, aos poucos, certas coisas das quais sequer desconfiamos vão acontecendo e acompanhamos o psiquiatra em sua investigação acerca da possibilidade de final feliz para Sergio Y. Os capítulos são relativamente curtos e possuem amplos espaços de respiração, algo de que realmente gosto muito – nada de varandas textuais, mas espaços dignos de parques. Quando você vê, já terminou. (A obra não está disponível para venda. Ganhou o Prêmio Paraná de Literatura e ganhou uma edição que foi distribuída para bibliotecas de todo o Brasil. Será publicada pela Companhia das Letras. Os rumores são de que só sairá em 2014.)

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O conto brasileiro contemporâneo, organização de Carmen Villarino Pardo e Luiz Ruffato (Edicións Laiovento)

Para quem tem acompanhado as amostras de literatura brasileira que têm sido lançadas pelo mundo, eis mais uma dessas coletâneas. O diferencial é que esta, em vez de traduzida para o alemão, inglês ou chinês, está em português mesmo. Para que as pessoas da Galiza compreendam melhor nossos escritores, há um glossário no final do texto: define-se “bunda”, por exemplo, essencial para que se entenda o conto de André Sant’Anna. Há alguns deles bem curtos, ideais para aquilo do “Hmmm, como já terminei esse, vou ler só mais um, antes de me chamarem”. Li um terço dos 21 contos e gostei de praticamente todos. João Anzanello Carrascoza, Carola Saavedra, Michel Laub, todos eles apresentam contos exemplares. Gostei bastante de “Quatro movimentos progressivos do calor”, de Bernardo Carvalho. Muito. O da Adriana Lunardi, que ainda não terminei, explora em seu primeiro parágrafo um questionamento que ressoa em minha cabeça desde que o li: o que dizer das histórias naquele momento em que elas ainda não são histórias, quando não se sabe que elas estão sendo criadas, quando as relações de causa e efeito que utilizaremos posteriormente para explicá-las ainda não são perceptíveis, ou melhor, não existem, porque ainda não as desenvolvemos? Formidável.

 

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Os hábitos e os monges, Assionara Souza (Kafka Edições)

No começo, achei que findaria não gostando do livro. Uma pena, pois tinha gostado muito do conto da autora para a Jandique. Então, por esse motivo, fazia questão de marcar tudo de que gostasse minimamente, para depois reler. Ao chegar à segunda seção do livro, uma sucessão de bons capítulos (capítulos ou contos curtos?) me surpreendeu. Se a primeira parte era mais uma preparação para a segunda (deve ser, algumas relações são mais óbvias que outras), então ela também valeu a pena. Muito interessante ter a oportunidade de mergulhar, mesmo que por um momento só, na cabeça de personagens os mais variados e descobrir do que eles são feitos. Uma edição mais caprichada – capa, papel, revisão – que fizesse jus à obra foi o que faltou. Mas, ei, se você estiver gostando do livro, quem liga para a capa horrorosa que os outros estarão encarando na sala de espera? Ninguém – todo mundo está muito entretido com a sua respectiva revista ensebada. Vale a leitura. Se não estiver curtindo, pule para a segunda parte, não abandone – você não vai se arrepender.

extraordinárioExtraordinário, R. J. Palácio (Intrínseca)

Eita historinha boa. Gostosinha. Há uma parte de mim meio cínica, que odeia o uso inadequado de palavras como “singelo”, “delicado” e “sensível” – adjetivos que provavelmente devem estar no Top 10 dos que devem já ter sido utilizados para descrever esse livro. O romance conta a história de August, um garotinho que possui uma série de deformidades no rosto e que chegou a uma idade em que deverá enfrentar uma escola normal (até então, vinha estudando em casa mesmo). O foco narrativo varia – passa pela irmã dele (Via), por uma colega de escola (Summer), por um de seus melhores amigos (Jack), pelo futuro namoradinho da irmã (Justin), por uma amiga antiga (Miranda). Os capítulos são curtos, curtíssimos – não pense que me esqueci de você, caro leitor de sala de espera. A história é divertida, comovente, dolorosa e fazedora-dum-bem-danado-ao-coração. Quem me emprestou o livro chorou com ele. Se você tiver vergonha de fazer isso em público, deixo avisado que há certa possibilidade de que isso aconteça  – não que tenha acontecido comigo, deixo claro. Caso a previsão seja certeira, use os lenços de papel que você já estará usando como marca-páginas (afinal, você terá lido essa dica) e assoe o nariz de um jeito bem feio. Ninguém perceberá que você esteve aos prantos.

requentando-repolhosRequentando repolhos, Irvine Welsh (Rocco)

Contos? Ok, já sei que são bons para esse tipo de ambiente. Pelo que percebi, os que fazem parte dessa coletânea vão aumentando de extensão do começo para o final do livro. Quem curtiu Trainspotting ou gosta de personagens desbocados ou de violência crua ou de um humor bizarro ou de relatos envolvendo muitas drogas, provavelmente preferirá pular o Extraordinário e pegar Requentando repolhos, uma compilação de textos que já tinham saído em publicações diversas e que, por vezes, retomam personagens de obras mais famosas do autor. Ainda não enfrentei os contos mais longos, mas posso confirmar que a leitura (1) flui que é uma beleza e (2) está sendo bastante proveitosa/divertida.

O AMOR ACABAO amor acaba, Paulo Mendes Campos (Companhia das Letras)

“Crônicas líricas e existenciais” – esse é o subtítulo do livro. Confesso que não conhecia o autor antes da editora resolver criar uma coleção com compilações de textos dele, tudo embalado num projeto gráfico bonitão. No dia em que ele chegou à minha casa, escrevi o seguinte numa rede social: “O amor acaba acabou de chegar. E é lindo. E gostoso de pegar. (Como o amor.) Se já tinha amado (não se enganem, ainda amo) o booktrailer do livro, como definir o que achei da crônica que dá título ao livro – muito maior do que o texto recitado por Karina Buhr? Amor? Deve ser. Tá com a cara de que vou acabar a leitura rapidinho, mesmo me controlando pra não acabar. Fazer o quê, né? O amor acaba.” Depois de tê-lo escrito e publicado, pensei que talvez fosse empolgação em demasia para um livro só. Hoje, depois de já ter lido parte dele, assino embaixo da primeira impressão.

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Pelas mesmas razões acima explicitadas, posso citar outros livros que estão me encarando na estante (já lidos ou, ao menos, lidos pela metade) que podem ser boas dicas de se levar consigo para uma sala de espera. Três em cada categoria. Vamos a eles.

JORNALISMO LITERÁRIO

O livro amarelo do terminal, Vanessa Barbara (Cosac Naify)

As entrevistas da Paris Review [2 volumes], vários autores (Companhia das Letras)

Conversas entre escritores – Entrevistas da Believer, vários autores (Arte & Letra)

QUADRINHOS

RYOTIRAS Omnibus, Ricardo Tokumoto (Quadrinhos Rasos)

Vida besta, Galvão Bertazzi (Juarez & Donizete)

Wilson, Daniel Clowes (Quadrinhos na Cia.)


ROMANCES CURTOS, CAPÍTULOS IDEM

A delicadeza, David Foenkinos (Rocco)

Bonsai, Alejandro Zambra (Cosac Naify)

Big Jato, Xico Sá (Companhia das Letras)

POESIA

Toda poesia, Paulo Leminski (Companhia das Letras)

Lero-lero, Cacaso (Cosac Naify)

Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém, Charles Bukowski (7Letras)

CONTOS

Histórias de Paris, Mario Benedetti (Editora Globo)

Vemos as coisas como somos, Guilherme Smee (IEL – RS)

Monstros fora do armário, Flávio Torres (Não Editora)

ANTOLOGIAS

Ficção de Polpa [5 volumes – 1, 2, 3, Crime! e Aventura!] (Não Editora)

24 letras por segundo (Não Editora)

Granta v. 9 – Os melhores jovens escritores brasileiros (Objetiva)