Longe de mim comparar o chileno Alejandro Zambra 1 a Juan Rulfo, mas é interessante constatar como o primeiro – um dos selecionados para a Granta Hispano-Americana – condensa tantas emoções, passagens e personagens numa história sucinta como a do escritor mexicano. Pedro Páramo, magnum opus de Rulfo, aglutina múltiplas vozes e histórias, todas centradas na figura principal que dá nome ao romance – em míseras 137 páginas. Um livro-exercício de autoedição, releitura e recorte, que deixaram o clássico do tamanho ideal, sem ter o que tirar ou por. Aparentemente, Zambra seguiu a mesma escola em Bonsai e no recém-lançado em português, A vida privada das árvores, o primeiro com 63 páginas e o segundo com 93, não tão curtos quanto contos ou novelas, mas tão arrebatadores quanto romances extensos.

O autor poda exageros e longas descrições e se concentra na vontade do seu protagonista, Julián – professor nos dias de semana e escritor aos domingos –, de continuar a produzir seu romance durante uma longa madrugada. Uma daquelas noites em claro em que as horas passam devagar e a morte, o amor e as agruras saltam em flashes pela mente para exaltar a angústia do protagonista. Durante esses momentos de reflexão, ele conta à enteada Daniela as histórias sobre um álamo e o baobá e suas grandes aventuras estáticas que dão nome ao romance. Como agravante, o personagem está à espera da esposa, que ainda não chegou da aula de pintura.

O elemento chave deste livro de Alejandro Zambra é a promessa de que ele acabará assim que Verónica retornar ao fim da noite (ou até notar-se que ela não voltará). A antecipação desse evento costurará toda a narrativa. Mas entre a espera, a escrita e o cuidado com a enteada, o protagonista rememora como foi parar naquele apartamento, como conheceu a esposa, como engordou, como se separou e por aí vai.

Julián ocupa a mente com os mais diversos assuntos e, mesmo acomodado, começa a mapear seus pensamentos para encontrar padrões na sua vida e naqueles ao seu redor.  A análise segue por relacionamentos, primeiro os amorosos com Karla e Verónica, depois sobre Verónica e o pai de Daniela num casamento que durou 3 meses, até chegar ao pavoroso presente e imaginar a enteada adulta. Tudo como uma crescente narrativa, iniciada com exposições tão simples que soam infantis e inocentes – a descrição dada a Fernando, ex-marido de Verónica, por exemplo – até atingir o tom mais sóbrio na metade final.

Se por vezes os pensamentos distraem o protagonista, estes servem para criar um adiamento do regresso dele à realidade e da chegada de Verónica, fechando o ciclo da exploração de suas memórias. Ou seja, os devaneios de Julián atrasam o final já enunciado nas primeiras páginas de seu romance e do livro que lemos.

Ironicamente tudo na vida do protagonista, até o ponto em que se encontra nessa noite, representa sua passividade. O relacionamento anterior foi marcado pela sua paciente espera pela volta da namorada, Karla, e também de uma solução Deus Ex Machina – o que não ocorre, é claro, afinal todas as pistas de uma separação estavam evidentes – para o impasse que vivem. A espera constante por Verónica, nessa noite eterna, mantém a incapacidade de Julián para finalizar ou modificar algo. As hipóteses que cria, como pneu furado ou atraso no horário da aula da esposa, palpitam pela mente dele enquanto permanece totalmente passivo – não telefona, apenas formula possibilidades – e conformado com o momento de incerteza. Nem o futuro que Julián vislumbra para Daniela o salva da sua incapacidade de se mover e mudar, pois ele não se vê presente na vida adulta dela. Consegue imaginá-la nas brincadeiras de flerte, namorando, quase casando, fazendo faculdade, mas sua presença está apenas no romance que escreve no presente, como uma espécie de herança maldita.

Se ainda é permitido explorar mais camadas desse diáfano romance, pode-se muito bem adentrar na questão do bonsai de Julián. Sim, há um bonsai em A vida privada das árvores, a mais evidente conexão com o livro anterior de Zambra. Se o bonsai de Bonsai representava o amor dos protagonistas, aqui a pequena planta representa um romance a ser escrito. É um protótipo de um imenso livro, mas não deixa de ser uma obra que precisa ser regada para continuar viva, e podada para continuar forte.

A vida privada das árvores, que será lançado hoje (07/5) às 18:30 na Livraria da Vila com presença de Alejandro Zambra, não tem em seu desfecho o grande destaque. Sua importância é ínfima perto do núcleo e da maneira como é desenterrado e desdobrado o enredo, através das memórias e previsões de Julián. Se Alejandro Zambra é, ou não, um descendente, aluno ou discípulo de Juan Rulfo, não posso afirmar, mas destaco essa prosa lacônica, rica em descrições econômicas nas palavras e muitas vezes buscando na simplicidade o caminho para suas histórias, como um grande feito quase tão arrebatador quanto o da obra do mestre mexicano.