Houve um tempo em que toda a esperança parecia ter acabado para os fãs de Lemony Snicket no Brasil. Não que a esperança fosse algo habitual para pessoas que saíam pelas ruas ostentando leituras que não passavam de Desventuras em série (2001-2006). O máximo que se podia encontrar do elemento que restou na caixa de Pandora seria a alegre capa de A pândega do pônei, que era tão somente uma sobrecapa reversível e enganosa (mas criada para a própria segurança do leitor) para Lemony Snicket: uma autobiografia não autorizada (2006).

Quando terminei minha monografia, requisito para conclusão do curso de bacharel em direito, a Cia das Letras só havia lançado mais um livro além dos citados cima – Raiz-forte: Verdades amargas que você não pode evitar (2009). Usei-o a torto e a direito nos agradecimentos de “Desventuras em série: uma módica monografia” – título do meu trabalho, com subtítulo aliterativo, como manda a tradição snicketiana. (Antes que a Rachel Sheherazade venha criticar também o meu trabalho, explico: 1. Me formei na UFPR – ou seja, não tem nada de popularização do ensino superior; e 2. Meu estudo se relacionava com o campo do “Direito e literatura” – uma das coisas que me ajudaram a manter a sanidade durante a graduação.)

Um tempinho depois surgiu O pedacinho de carvão (2010), sem muito alarde. Eu já nem acreditava mais que outros livros do autor desembarcariam no país – ainda que o tradutor de alguns deles (Érico Assis, um dos caras mais legais que conheci em eventos de quadrinhos, desses que concedem entrevistas e são bondosos com pessoas quase desconhecidas) me garantisse que estava nos planos da editora lançar outros volumes.

Nada em 2011. No entanto, eis que surge 2012 e, com grande estardalhaço, fãs do autor – muito mais conhecedoras da obra dele do que eu – anunciam uma Semana Handler como forma de promover o novo livro do porta-voz oficial de um dos meus escritores favoritos (momento piscadela: as más línguas dizem que ele é muito mais do que isso – tem quem diga até que ele é o próprio Snicket), chamado Por isso a gente acabou (quem é chamado assim é o livro, não o escritor, dã).

Vi e revi o trailer do livro, uma das coisas mais engraçadas daquela semana. O livro de Daniel Handler conta o fim da história de amor entre Min e Ed. Ela põe um monte de lembrancinhas do relacionamento em uma caixa azul e, a partir deles, escreve uma longuíssima carta para o remorso do ex. Vi que algumas blogueiras receberam uma caixa azul como a do livro, produzida pela editora. Foi então que me lamentei por bancar o resenhista sério e carrancudo e não apostar tanto num lado legalzudo e/ou adolescente (do bloco de carnaval “Me dá brinde que eu sou blogueiro”): os objetos, ilustrados por Maira Kalman, constituiriam belas memorabilia.

(Eu falo de tentar ser mais cool e escrevo “consistiriam” e “memorabilia”. Eu não aprendo mesmo…)

Mas meus lamentos foram anteriores à leitura do livro. Depois que o comecei, errr… não fazia mais tanta questão. Se o termo memorabilia significa “fatos ou coisas dignos de memória; que suscitam memórias ou lembranças”, eu não queria lembrar daquilo, não. As ilustrações continuavam lindas – o livro é uma obra de arte –, mas o problema era todo o resto. No way que aquela guria escreveu essa carta inteira dentro do caminhão do amigo (mais adiante, ela para numa lanchonete, mas até lá a gente tem que fingir que acredita que deu tempo de escrever tudo aquilo)! Mas, principalmente, no way que o Ed vai ler mesmo tudo aquilo! (Eu não conseguia parar de me lembrar de Friends, para vocês terem uma ideia.)

Foi um dos primeiros livros que eu queria muito terminar e abandonar ao mesmo tempo. Eu sei que era para a Min parecer romântica e envolvida com as artes, mas só conseguia achá-la uma chata. Queria jogar fora o livro, dar de presente para quem fizesse melhor proveito, rasgar, mas insisti na leitura. Terminei, o que foi bom – passei a entender a Min um pouco melhor, ou ao menos sua reação, quando descobri a razão principal para eles terem acabado. Deu vontade de lhe dar um abraço. Não perdoei sua voz irritante, mas isso já era querer demais.

Pelo menos percebi então que sou fã só do Lemony Snicket e que o porta-voz é melhor quando está só nessa função. Como escritor, Daniel Handler é legalzinho e só.