Constantinopla está em chamas. Talvez fosse um bom título de livro, ou até de filme, não fosse verdade. A antiga Constantinopla, hoje Istambul, vive momentos de tensão e crise política, como se pôde assistir nos telejornais e redes sociais internet afora.

Se você acompanhou o caso pela mídia, deve ter lido que a agitação política teve início no dia 28 de maio, depois que alguns “tree holders” tentavam impedir o desflorestamento do parque Gezi para a construção de mais um dos tipos libidinais da pós-modernidade: o shopping center.

O protesto ambiental virou político quando a polícia tentou, no dia 30, dispersar à força os manifestantes (que não passavam de 100 pessoas), com seu modus operandi agressivo, opressor – que aparentemente não é um “privilégio” brasileiro. No dia 1º de junho, mais de 10 000 manifestantes já se instalavam no centro de Istambul, na Praça Taksim, para protestar contra o autoritarismo de Recep Tayyip Erdogan, o primeiro-ministro do país.

A bolha estorou. Uma explosão dessa forma, que culmina em protestos com 10 000 pessoas, não surge do nada, para o nada. A insatisfação com o primeiro-ministro é antiga, e a gota d’água aconteceu quando Erdogan conseguiu alterar leis ambientais que impediam a destruição de parques, por exemplo, que dessem lugar à construção de conglomerados de consumo irrefreável. Além disso, o primeiro-ministro vem tentando instaurar a Sharia no território, um conjunto de códigos de conduta e leis islâmicas seculares que aparentemente pouco tem a ver com a cultura turca. Erro rude. Erro grave!

O autoritarismo de Erdogan provocou os turcos, que hoje levantam a bandeira da liberdade civil. Não tem relação, dizem os analistas, com a Primavera Árabe, porque não se trata de uma luta contra um ditador que está há mil anos no poder; talvez seja justamente isso que eles tentam evitar.

Segundo o cientista político Ali Kazancigil, Erdogan sempre fora amado na Turquia. Eleito pela primeira vez em 2002, quase quadruplicou o PIB em 10 anos, reduziu a pobreza e abriu o caminho para as classes emergentes. Tamanha aprovação teria praticamente dizimado a oposição, fazendo a fama subir à cabeça do dirigente, que achou que pudesse demais – a hybris ataca novamente. Primeiro, resolveu pressionar a imprensa executando prisões arbitrárias. Depois, induzido pelo puritanismo religioso, passou a questionar a não obrigatoriedade do véu (que só é utilizado por quem deseja, no país). Ainda teria indagado se as bebidas alcóolicas deveriam continuar liberadas no país.

Estaria Erdogan tentando instaurar o conservadorismo islâmico em um país onde a constituição consagra a liberdade religiosa? Parece que sim.

Enquanto a história não chega ao fim, sugiro uma anedota pedagógica de Nasrudin, um filósofo popular turco com quem Erdogan tem muito que aprender:

A fraqueza dos reis

Certa vez, Nasrudin foi à Corte usando um magnífico turbante. A intenção do Mullá era despertar o desejo do rei e vender-lhe o turbante. E de acordo com sua expectativa, o rei perguntou:
– Nasrudin, quanto você pagou por essa maravilha?
– Mil moedas de ouro, majestade.

O vizir percebeu a esperteza e cochichou ao rei: “ninguém, além de um idiota, pagaria tanto por um turbante”. O rei, influenciado pelo comentário, disse a Nasrudin:
– Por que você pagou tanto? Nunca ouvi falar que alguém tivesse dado essa quantia por um turbante.
– Paguei essa fortuna porque sabia que em todo o mundo só um rei compraria esse tipo de coisa.

Sensibilizado pelo elogio, o rei decidiu comprar o turbante pelas mil moedas de ouro.
Pouco depois, ao se encontrar só com o vizir, Nasrudin lhe disse:
– Você pode conhecer o valor de um turbante, mas sou eu quem conhece as fraquezas dos reis.