Após uma viagem intensa e longa de seis horas para chegar em Paraty, o primeiro dia de FLIP começou para nós com o show de Gilberto Gil – o artista a se apresentar no debut da festa literária onze anos atrás.

Programado para as 21h30, o cantor e compositor baiano subiu ao palco após a apresentação musical de Luiz Perequê e pronunciamentos da idealizadora da Flip, Liz Calder, e do Prefeito de Paraty, Cazé, salientando a importância da festa para a formação de leitores na cidade.

Mal sabiam os presentes que as três músicas que abririam a Festa Literária Internacional de Paraty teriam um contexto mais político do que o esperado. “Palco”, “A Novidade” e “Domingo no Parque”, música há tempos não executada ao vivo, seriam a tríade-teaser para o que viria mais adiante. Gil aproveitou ao terminar a terceira canção para dar boas-vindas a todos os presentes na tenda do telão e dar suas alfinetadas precisas. O cantor parabenizou o crescimento e evolução da Flip, conforme salientado no discurso de Liz e Cazé, e cutucou: “cada solução que encontramos traz um novo problema, que leva a uma nova solução, que leva a outros problemas… é um processo de construção e desconstrução contínuo”, chamando a atenção dos presentes que mesmo com os benefícios da FLIP, Paraty ganha novos problemas a cada ano por causa da festa.

A proposta do show de abertura foi mais intimista do que se costuma ver nos shows de Gilberto Gil. De acordo com o próprio cantor, esse experimento de trazer ao palco apenas instrumentos acústicos era uma forma de não enferrujar e fazer sempre as mesmas coisas do mesmo jeito, querendo entregar ao público uma novidade qualquer que fosse. No lugar de uma big band, apenas um percussionista e seu filho na guitarra e violão. E justamente a ambientação mais calma e a falta de uma banda mais poderosa fizeram o público reclamar do som estar muito baixo do lado de fora da tenda.

Para quem nunca esteve na Flip, uma das gambiarras – ou jeitinho brasileiro – para se participar da festa sem gastar muito é estar do lado de fora da tenda do telão. Todas as mesas são transmitidas por um telão e o som dentro de uma tenda semiaberta, que facilita ao público assistir tudo do lado de fora, sentado na areia. Se a pessoa não se importa em ouvir no original, economizou algo em torno de R$20. Ou seja, o público fora da área coberta pelas caixas de som é maior, mas com grandes limitações também.

O cantor aproveitou a situação e descontraiu o ambiente convocando uma “assembleia” para resolver o problema de som – o que seria impossível, é claro –, mas não perdeu a oportunidade para alfinetar manifestações, “… qual a queixa? É relevante ou difusa como as manifestações?”, disse em dado momento fazendo parte do público de dentro soltar gargalhadas. Depois de alguns minutos de silêncio e espera do cantor, que não conseguia entender os gritos, ele perguntou se o problema era o som e todos responderam em uníssono “ééé”. Gil retomou o discurso político, voltou perto do fim da apresentação para atacar a Copa do Mundo de 2014 e o padrão Fifa – leia-se “preço de ingressos” e a exclusão socio-econômica da população negra.

A apresentação ganhou entornos sambísticos quando homenageou Dorival Caymmi. Além da lembrança a seu mestre, por ele classificado, Gil revisitou a sua versão de “Maracatu Atômico”, “Imagine” e não deixou de lado as músicas de Bob Marley.

Gil continua em Paraty para participar da mesa Culturas Locais e Globais, hoje às 14h30, junto com Marina de Melo e Souza e também para lançar sua fotobiografia “Gilberto bem de perto” em coautoria com Regina Zappa.