A festa em Paraty tem um momento exato, um milisegundo, após a mesa na tenda dos autores e os autógrafos: a compra de livros. Aqueles que não adquiriram seus exemplares antes da semana regada a literatura na cidade fluminense, por puro receio de carregarem um peso excessivo, podem comprar na livraria parceira os exemplares dos autores que participam do evento e estão com as mãos tremendo, com a mais pueril ansiedade, para dar um visto na folha de rosto. Mera brincadeira, há autores que preenchem toda a folha de rosto com dedicatórias, agradecimentos, etc.

Claro que o que foi evitado na ida irá pesar (cof, cof) na volta.

Portanto para encerrar nossa cobertura sobre a Flip 2013, e começar a contagem regressiva de 13 meses – em 2014 a festa será em agosto por causa da Copa do Mundo –, pedimos para alguns dos amigos e agregados hospedados na Casa Posfácio falarem sobre dois livros que adquiraram por lá e por quê.

Tuca (Posfácio e O Leitor Comum): Não cantarei um mundo caduco. Ops, esqueci que não sou Drummond. Recomeço: não falarei de dois livros, pois prefiro falar de três. Falo, no entanto, de duas mesas que me fizeram desejar muito adquirir as três obras de que falarei, combinado? A primeira que comprei foi O sonâmbulo amador, de José Luiz Passos. Adquiri um exemplar desse romance porque precisava ter dois dedos de prosa com o autor e confessar que tinha adorado a sua fala – e seu sotaque, já que somos amigos da sinceridade sem filtros. O lado bom é que já tinham me indicado anteriormente o livro, então não me senti tão impulsivo. Impulsividade da boa ocorreu ao comprar Alta ajuda, de Francisco Bosco, e O Encantador, de Lila Azam Zanganeh, logo após a mesa deles – que, para mim, foi a melhor da Flip 2013. (Funny fact: não tinha intenção alguma de vê-la, apesar do título promissor. Estava com medo de uma discussão muito cabeçuda, tão cedo no dia – sim, para algumas pessoas o meio-dia ainda é um horário cedo demais para pensar. Porém, quando devolvi o ingresso do norueguês furão na bilheteria, vi que havia ainda ingressos para ver a Lila e o Chico. Já estava acordado, daí resolvi ver a mesa. Resultado: a compra desse ingresso foi o melhor investimento intelectual que eu poderia ter feito.) O moço fazendo, no ar, diagramas sobre conceitos de Barthes e a encantadora de multidões falando sobre Nabokov e êxtase me conquistaram. Virei-me para uma amiga e disse que estava sem dinheiro e que não planejara comprar os livros dele; no entanto, algo me dizia que o faria. Ela respondeu “eu também”. Em troca, Dindi e eu fomos chamados de “as pessoas mais legais da fila de autógrafos” por Bosco. 🙂

Taize Odelli (r.izze.nhas): Fui para Paraty com apenas um livro na bolsa esperando ganhar um sonhado autógrafo de Lydia Davis – e voltei com muito mais do que planejara. Tipos de perturbação é, até agora, a melhor leitura que fiz esse ano. Não poderia perder a mesa dela (perdi) e sua assinatura no meu exemplar (consegui). Havia prometido a mim mesma não comprar mais livro algum na Flip, mas depois de ver e conhecer mais Lila Azam Zanganeh, me embrenhei na Livraria da Travessa para comprar O encantador. Já adoro Nabokov,Lolita é um dos meus livros favoritos, e a simpatia de Lila me fez querer ter seu livro/ensaio/biografia/ficção em mãos e pular com ele na frente de toda a lista de leitura que me esperava em casa. Comprei O encantador, consegui o autógrafo de Lila – e até travar uma breve conversa em português com a franco-iraniana –, e comecei a ler o livro no avião voltando para o Rio Grande do Sul. Com 50 páginas lidas, posso dizer que é uma forte candidata a, quem sabe, desbancar o posto que Davis conquistou no meu campeonato particular de literatura.

Guilherme Magalhães (Jornal Rascunho): Quando comprei o ingresso para assistir à mesa de número 1 da Flip 2013, o fiz conhecendo pouco, quase nada, de Bruna Beber. Ao sair, corria para a livraria apenas para garantir um exemplar de Rua da padaria, livro de poemas da jovem autora, um deles o tocante “romance em doze linhas”. Seja falando numa mesa literária, seja escrevendo poesia, Bruna carrega uma intensidade que de cara me conquistou.

Assistir à mesa da escritora franco-iraniana (que, aos 36 anos, já leciona em Harvard) também estava nos planos, mas uma entrevista me forçou a perder a conversa dela com o carioca Francisco Bosco. No mesmo dia, ela estaria na casa do Instituto Moreira Salles para falar sobre o romance Ada ou ardor, de seu escritor “fetiche”, Vladmir Nabokov. Essa eu não perdi. O que falar de alguém que decidiu aprender português meses antes de vir para a Flip? O que falar de alguém que mergulhou a fundo num dos autores mais importantes do século passado? O que falar de alguém que foi querida do início ao fim? Simples. Lila Azam Zanganeh musa da Flip 2013.

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Lila Azam Zanganeh (foto: Ingrid Coelho/Posfácio)

Ingrid Coelho (Posfácio): O Francisco Bosco participou da mesa 6, entitulada “o prazer do texto”. Fui assistir sem grandes expectativas, apesar de saber que a mesa também traria a autora-musa da Flip 2013, Lila Azam Zanganeh, que tinha acabado de conquistar uma leva de seguidores após uma entrevista no Jô. A ideia era assistir, anotar o básico e não comprar mais livros, já que eu estava com uma mala bem lotada. Eis que me conquistaram também, assim no gogó mesmo. O Bosco falou de Barthes sem ser didático nem cabeçudo. Foi realmente prazeroso e me instigou a olhar seu trabalho mais de perto. Comprei Alta Ajuda e já coloquei direto no topo do Everest de livros pendentes a deixarem de ser pendentes. Comecei a ler assim que voltei a São Paulo e posso dizer que, até aqui, está sendo uma leitura maravilhosa. Ainda bem que não deixei esse livro nas estantes de Paraty.

Dia 1 Mesa 1. Que começo de Flip! Eu já gostava muito do Dobradura, da Alice Sant’Anna, e era uma stalker confessa. A poesia dela agrada demais. Pega onde outros não pegam (ui) e eu ficava chocada com a idade x qualidade dos textos dela. Sabia também que tinha lançando um livro novo, que eu já estava querendo comprar. Foi por pura lerdeza e descuido que só percebi que ela estaria em uma mesa da Flip na noite de quarta-feira. Me virei em dois segundos e arranjei um ingresso. De qualquer forma, Rabo de Baleia já era uma compra meio certa, talvez a mais certa de todas que fiz durante a Flip. O fato dele ter esse nome também foi quase um sinal: baleia é meu animal favorito por motivos íntimos e metafóricos. O poema que dá esse título ao livro pega bastante desses motivos. A vantagem é que agora posso ler mentalmente com sotaque carioca.

Marina Araújo (Posfácio): O primeiro é Tipos de Perturbação da Lydia Davis, porque eu tinha lido o Collected Stories dela em inglês, gostado muito da maneira como ele amplia a noção de conto, que é um dos meus gêneros preferidos. Queria saber como foi feita a tradução em português, principalmente dos contos que se aproximam da poesia.

O segundo é o Dyer com Otherwise known as the human condition. Prefiro ler no original. Comprei logo após a mesa sobre “A arte do ensaio”, de que ele participou junto com John Jeremiah Sullivan. Geoff Dyer é genial e engraçadíssimo, e, de acordo com tudo que li dele, um dos 3 ou 4 maiores ensaístas vivos. Ele é mestre da língua inglesa, tem um liricismo muito raro. Para mim, só pelo prazer de vê-lo jogando com a língua ja vale a pena.

Gigio (Posfácio): Desde a que aderi aos e-books, me desapeguei dos livros de papel (que eles possam seguir o rumo das bibliotecas e das pessoas que ainda não os conhecem, amém). Cheguei em Paraty carregando só Ithaca Road e pretendia, depois da resenha pronta, voltar pra casa sem nada. Mas depois da entrevista com o Sullivan, depois que o pessoal do Posfácio chegou em casa dizendo o quanto ele era bacana, de como se extendera pelos assuntos mais descolados e interessantes, acabei adotando uma edição usada de Pulphead que fora do Pips (a capa com a raspadinha intacta também seduziu, admito). Além dele, recebi da Cia. das Letras o volume seguinte dos Amores Expressos. Fui com 1, vim com 2. É o efeito Flip, você sempre volta pra casa com mais do que imaginara.

Claro que muitos exemplos esbarram no que foi dito por Raquel Cozer logo após o encerramento da Flip – quando os números sólidos de vendas da Livraria Travessa foram divulgados: quem fala melhor na mesa, conquista o público e vende livro.

Tal afirmação, não há como negar.