Cabelos de caracol e pulga atrás da orelha. Tomar um coice, ouvir de um passarinho, ou estar com cara de cachorro caído do caminhão de mudança e falar como um papagaio. Tanto me agradam essas expressões animalescas que queria que tivessem menos de expressão e mais de realidade. Seria mais interessante e esclarecedor.

Sem margem para mais ou menos e dúvida: brotariam borboletas dentro de todos os apaixonados. Seria possível ouvir o bater de asas quando chegássemos perto. Da mesma forma, o focinho gelaria, as orelhas cairiam e a coluna ficaria tal qual uma vírgula toda vez que esses fossem esquecidos. As coisas não seriam mais questão de sorte, azar ou acaso porque poderíamos ver à distância um sujeito desafortunado com um macaco nas costas, atrapalhando tudo que ele faz.

Imagina quantos momentos indesejáveis poderiam ser evitados se aparecessem pintinhas pretas, bigodes e dentes pontiagudos toda vez que alguém estivesse com bafo de onça. A própria pessoa perceberia com mais facilidade. Ou então saber que aquela pessoa não está em um bom dia porque está com um cavanhaque liso, longo e branco de bode velho. Acho que a única coisa ruim mesmo seriam os reality shows de música, que perderiam aquela primeira fase engraçada com os participantes que não sabem cantar, porque ficariam com cara de gralha, enquanto os cantores seriam colibris. Acho que quem nascesse com cara de gralha nem se inscreveria nesses programas.

Por outro lado, o maior ganho que teríamos é o fim das eleições. Não te soa perigoso dar poder para alguém que faz de tudo pra tê-lo? Quem tivesse ganância de leão já estaria automaticamente fora desse páreo. Deixa o poder pra quem tem memória de elefante ou olhos de águia.

Doença seria quase maternidade. Eu, por exemplo, tenho asma e pensava que realmente havia gatos dentro de mim durante as noites de crise. Eles miavam quando meu pulmão comprimia com a respiração. Fazia todo o sentido. O médico diria, segurando um raio-x com três manchas felpudas: “Parabéns. São duas fêmeas e um macho” e então me receitaria um xarope e eu tossiria até que saíssem pela boca. Se bem que gatos são causa de asma, então talvez essa fosse uma ideia fatal. Ou então poderiam ser gatos recém-nascidos e carecas, que crescendo perto do doente trariam a cura.

Julio Cortázar narra algo parecido em “Cartas a uma Srta. em Paris”, muito bem lembrado em conversa com o editor Piposo: “Fiquei com vontade de vomitar coelhinhos. Isso mesmo. Comprar coelhinhos? Achá-los numa estrada? Jamais. Enfie dois dedos quando sente que vai vomitar um, puxe as orelhas e os tire da garganta. Sua Páscoa estará completa com 10, quem sabe 11, pulando pelo parapeito da janela.”

Ainda temos bons exemplos da ficção, como o indubitavelmente sinistro “nunca mais” repetido pelo Corvo de Edgar Allan Poe e o sol carregado por flamingos de Mia Couto. Isso sem falar na Metamorfose de Gregor Samsa, talvez um dos exemplos mais clássicos de que animais são esclarecedores. Quando Gregor acorda com aqueles cascos duros, a gente sabe que ferrou. Assim segue essa minha divagação de Revolução dos Bichos.

Mas me parece que a gente se orgulha de estar cada vez mais distante dessa coisa animalesca. Somos contidos e podemos pensar em uma coisa, fazer outra e querer o oposto das duas. Se transformar em bicho? Não é atraente. Somos sutis e vivemos na zona da penumbra. É complexidade que vai além do DNA e da comparação. Deixamos os animais para a ficção e para expressões tão brincalhonas que soam infantis. Somos sérios demais.