Existe gente que é obcecada pela Apple, ou pelo Tarantino, ou por filmes da Disney. Eu sou obcecada com Almodóvar (mentira, sou por todos). O diretor espanhol causa, curiosamente, muito mais fascínio sobre os brasileiros do que sobre os espanhóis e – não de se estranhar – muito mais fascínio sobre mulheres do que sobre homens. Se em seus dramas Almodóvar consegue clímax impressionantes e revelações de seus personagens – como nos belíssimos Fale com Ela e o mais recente A Pele que Habito – em suas comédias ele beira o absurdo, sem jamais deixar de dar atenção à história que está contando.

É isso que ocorre com Os Amantes Passageiros, mais nova comédia do cineasta. Trazendo novamente um elenco de peso, com o qual costuma trabalhar sempre, Almodóvar elabora uma fábula: um grupo de trabalhadores do aeroporto de Madrid – entre eles, Penélope Cruz e Antonio Banderas, com um afetado sotaque andaluz – se distrai e se esquece de tirar o calço de um dos trens de pouso do avião, que vai para dentro da aeronave, impossibilitando uma aterrissagem segura.

Tão logo percebem a cagada dos colegas, o piloto, o co-piloto e o comissário-chefe decidem sedar os passageiros da classe turista – incluindo as comissárias de bordo – para que não entrem em pânico, enquanto sobrevoam a cidade de Toledo em círculos, e não sintam o impacto do pouso.

Até então, nada mais do que uma fábula, não fossem os caricatos personagens, todos eles acomodados na primeira classe, que permane acordada: a velha maníaca (Cecilia Roth), a vidente santa (papel da ótima Lola Dueñas), o empresário fugitivo, o amante arrependido, o casal em lua de mel… E como em todas as suas comédias – ou todos seus filmes, melhor dizendo – há muitos homens gays, que transformam seus papéis em mais do que simples sketches de humor. A interpretação do sempre magnífico Javier Cámara rouba todas as cenas, e até os menos conhecidos se saem muito bem.

Ao mesmo tempo em que mostra as pessoas em seu estado mais animalesco – evocando o maravilhoso O Anjo Exterminador, do conterrâneo Luis Buñuel – Almodóvar não se limita a apenas expor o que há de mais bizarro e maluco na natureza humana, mas também desenvolve as histórias de maneira extraordinária, buscando respostas para os enigmas pessoais de cada um, e nunca deixando de depositar certa fé – embora a ideia pareça engraçada – de que esses dramas serão resolvidos até o final do filme.

Apostando, como já era de se esperar, em cores berrantes, diálogos mordazes, proferidos com rapidez estonteante, e situações burlescas, caricatas e engraçadas – já disse que são absurdas? –, o cineasta não desaponta. Embora os mais críticos possam dizer que é “mais do mesmo Almodóvar”, não há como negar que ele tem um estilo próprio, celebrado e aclamado – e que foi justamente esse estilo cativante, tão almodovariano, que cativou e continua atraindo tantas e tantas pessoas ao longo de sua vasta carreira cinematográfica.