Michel Gondry se tornou conhecido dirigindo videoclipes para artistas, como “Everlong” do Foo Fighters, Björk, Chemical Brothers e The White Stripes. Criativos, estranhos e por vezes incômodos seus clipes flertavam com a vídeo arte e demonstravam a tendência do diretor para uma estética rebuscada, minuciosa e inventiva.

O diretor manteve no cinema esse apreço pelo visual, a direção de arte foi sempre um dos pontos fortes de seus filmes: desde o razoavelmente obscuro A Natureza Humana, até o sucesso Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e principalmente em Sonhando Acordado. Em A Espuma dos Dias Gondry perde a mão e a estética engole a narrativa um tanto esburacada.

Adaptado do romance de Boris Vian, A Espuma dos Dias conta a história de Colin, um jovem que tem a sorte de ser rico o suficiente para não precisar trabalhar, e que um dia conhece Chloé em uma festa, rapidamente se apaixona e se casa com ela. Porém, já na lua de mel, a moça desenvolve uma rara doença: uma flor de lótus cresce em seu pulmão direito e para matá-la é preciso que Chloé se cerque o tempo todo de flores frescas.

É a história de uma tragédia anunciada. Gondry faz um bom trabalho em indicar isso ao espectador, desde o início temos a sensação de que Chloé está condenada e o que vamos ver é sua morte lenta. O que é inesperado e funciona como elemento mais surpreendente do filme é que não vemos apenas a morte da personagem, mas a decomposição de tudo a sua volta, a destruição de um universo, quase como um sonho que vai aos poucos se transformando em pesadelo.

A atmosfera de sonho é algo caro ao diretor e ele transforma A Espuma dos Dias em seu playground particular. As geringonças estranhas que compõem o universo de Vian aparecem aqui em destaque e com detalhes, toda uma sequência é dedicada ao funcionamento do pianococktail. Esse cuidado na ambientação poderia ser útil: um universo maravilhoso em oposição à decadência que acompanha a doença e Chloé, o problema é que o que sobra em cuidado visual falta no tratamento sentimental, e o universo fantástico torna-se estéril.

A história é contada de maneira apressada e o filme perde tempo em sequências que não acrescentam nada, exceto uma “estranheza descolada nonsense”, como o casamento dos protagonistas. O ritmo atrapalha a conexão emocional entre o espectador e os personagens apresentados, não há tempo para conhecê-los, conviver com eles e assim envolver-se. O que fica é uma tragédia contada, mas não vivida.

Talvez, quando trabalha com roteiros que não são seus (como em Brilho Eterno) ou baixo orçamento (Sonhando Acordado), Gondry se veja forçado a colocar os pés no chão. Mas sendo roteirista e diretor e com um orçamento razoavelmente alto o cineasta perde o lastro e toda sua estranheza que poderia ser incômoda acaba não servindo a nada. Se o foco estivesse na história dos dois personagens e seu envolvimento, se tivéssemos tempo de acompanhar sua vida e sua intimidade, A Espuma dos Dias poderia ser um filme devastador e dolorido, mas não é. O que sobra é um sonho, fantástico e sem sentido, do tipo que se esquece na manhã seguinte.