Quando os primeiros frames cinematográficos foram gravados pelos irmãos Lumière naquele dezembro de 1895, duvido que se vislumbrasse tamanho avanço da técnica em pouco mais de cem anos. Hoje, mesmo depois de George Méliès 1 (1861-1928, precursor dos efeitos especiais), de O Cantor de Jazz (1927, dos primeiros totalmente falados), da Technicolor e do chroma key, dos empreendimentos colossais da Era de Ouro, de 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968) e de Avatar (2009), pode-se dizer ser igualmente difícil vislumbrar onde o Cinema ainda pode nos levar.

Esse mesmo Cinema que colocou um gorila no topo do Empire State (King Kong, 1933), que mergulhou nas profundezas do oceano em O Segredo do Abismo (1989) e que tantas vezes imaginou o apocalipse humano em filmes-catástrofes, agora coloca George Clooney e Sandra Bullock numa aventura espacial muito convincente – e o melhor, leva o espectador com eles, através da tecnologia 3D-Imax 2.

Alfonso Cuarón (do esquecido porém excelente Filhos da Esperança, 2006) é o artífice por trás de um feito técnico superlativo. Amparado pelo orçamento de mais de US$ 100 milhões dos cofres da Warner Brothers, ele mantém sua câmera deslizante e planos sequências impossíveis para contar o drama dos astronautas Ryan (Bullock) e Kowalsky (Clooney), que buscam sobreviver após estilhaços de satélites destruírem sua nave.

Vestindo a camisa do Cinema pipoca, Gravidade não tem vergonha dos diálogos fracos ou dos excessos melodramáticos – e parece ser justamente por isso que não extrapola em nenhum desses elementos secundários. O filme consegue até mesmo fugir do ufanismo patriótico impregnado no logo da NASA, fazendo de sua trama um drama humano: sim, o bom e velho drama sobre o instinto de sobrevivência, nós já vimos isso antes, mas continua interessante.

O que há de sobra mesmo são excelentes cenas de ação, momentos que arrepiam pelo primor técnico (destaque ao som) e acertadas decisões de direção. Novamente cito a câmera deslizante de Cuarón, que passeia do ponto de vista dos protagonistas ao exterior de seus trajes, que ora se aproxima da pupila de Sandra Bullock, ora perde seus personagens, como se fosse um terceiro astronauta perdido no espaço.

Tendo desenvolvido novas tecnologias para simular o estado de gravidade zero, os atores são hermeticamente cerrados em trajes espaciais, mas graças aos closes eles ainda têm espaço para atuações interessantes, sobretudo Sandra Bullock, que depois do Oscar (Um Sonho Possível, 2009), decidiu cerrar o cenho e ser séria. Já George Clooney, esse consegue continuar canastrão até perdido no espaço.

Alfonso divide a autoria da história com seu filho Jonás, vinte e três anos, menino esperto (e talentoso) que já se prepara para filmar seu primeiro longa, Desierto, previsto para ano que vem e estrelado por Gael García Bernal. O roteiro tem sido elogiado pela verossimilhança nos procedimentos espaciais. Alfonso garante que toda tecnologia exibida na tela é a já existente hoje em dia (exceto pela estação espacial chinesa, retratada na forma como será em 2016, após reformas). Tamanho zelo salta aos olhos logo nos primeiros instantes de projeção com os calmos e belos takes da Terra – e felizmente o filme já começa no espaço, poupando-nos da introdução melosa da nave decolando, das despedidas familiares e de outros clichês que outros roteiros facilmente cairiam (vide Armageddon, 1998).

Cheio de metáforas, a história de dois astronautas à deriva no espaço obviamente remete à solidão humana, desconexão, ao encarceramento do eu na bolha do individualismo. Assim, o movimento da trama se assemelha à sístole e à diástole do coração: primeiro há um afastamento, inclusive físico, entre os astronautas e a Terra; ao longo da história, contudo, a jornada do herói leva à revisão de valores que permite a reaproximação, para terminar num fundamento evolutivo, quando a espécie saiu da água e pisou na terra, quando o animal ergueu-se em bípede e transformou-se em homem, enfim, quando o homo sapiens percebeu que a Terra era sua mãe. Desde então, mesmo com percalços, seguimos a passos largos em direção a um futuro – inclusive no Cinema – inimaginável.

http://www.youtube.com/watch?v=CZGRI5wQ-5k

  1. Tópico não relacionado, mas não resisti em citar: o Open Culture comentou um vídeo até então desconhecido de Méliès que revela sua, digamos, ousadia técnica. Disponível em: http://www.openculture.com/2013/11/after-the-ball-1897-adult-film.html – indicação de @juliaalvesc
  2. Senti saudade do cinema Imax do shopping Bourbon, em São Paulo, com sua tela gigante. Infelizmente assisti no Cinemark do Praia Shopping Botafogo, no Rio, numa dessas salas mal ajambradas para a tecnologia 3D, com uma tela muito menor do que o ideal