Woody Allen, como seu ídolo Ingmar Bergman (e meu ídolo e objeto de mestrado), é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmo temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia-noite em Paris) , ou ao menos incorporando trejeitos e entonações  típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente em que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (a exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta à vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta e é clara a referência de loucura que ele tem: planos fechados, o rosto da personagem dominando toda a tela, um discurso desconexo.  Mas é notável como, mesmo usando recursos tão marcados de Bergman, Woody Allen continua soando como ele mesmo.

Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.