Nas últimas semanas, tive um pensamento recorrente sobre a minha vida ser feita de antagonismos, essa é a primeira coisa a se saber: é rotina atarefada versus cabeça absolutamente incapaz de lembrar até do próprio aniversário. É preguiça que me faz apertar o soneca quatro vezes antes de levantar versus a vontade de ler um livro por semana, falar cinco idiomas, passar na quitanda e ir na academia antes do Mais Você começar. A segunda coisa é que comecei a ler Lo discurso vacío, do uruguaio Mário Levrero, que me fez pensar que talvez todos nós sejamos neuróticos, afinal. A terceira coisa é este texto, que vai tentar explicar como essas duas informações se relacionaram por esses dias.

Lo discurso vacío me puxou pelo título. Soava como mais um antagonismo. Discurso versus vazio. Como lidar? Acho que essa identificação foi suficiente pra me fazer querer ler. Sabia minimamente do que se tratava: uma reunião de textos e exercícios de caligrafia do autor (autoterapia grafológica), que acreditava que conseguiria mudar qualquer traço de sua personalidade se mudasse a forma da sua letra. A partir daí, tentava escrever sobre assuntos desinteressantes para conseguir focar somente no cuidado em que cada linha tomava o papel. A ideia me soou maravilhosa, menos pela eficácia que ela poderia ter, mais pelo desejo de mudança de Levrero e a necessidade de encontrar um primeiro ponto para reestruturar sua vida da forma como idealizava.

Resolvi que faria uma leitura vazia de um discurso vazio. A decisão foi menos racional do que eu coloquei agora, visto que percebi isso um tanto depois de ter começado. Digo que a leitura era vazia porque espanhol é pouco entendível para mim. Além disso, estava usando uma versão para e-book, ou seja, me dediquei a ler sobre caligrafia sem ao menos estar segurando um papel. Não bastasse, ainda optei por fazer isso somente em trânsito, momento em que minha atenção não é das maiores.

Mas, de alguma forma, quanto menos eu me preocupava com isso tudo, mais eu conseguia gostar da leitura. Levrero se esforça para fugir do conteúdo, e ainda bem, perde o controle diversas vezes. É como se a escrita à mão chamasse pela criatividade, sem que houvesse fuga para isso. Ao lado do autor, mulher, filho e cachorro viram personagens de uma crônica do cidadão moderno e neurótico, que quer ser alguém, que quer ser especial, e se força a todo instante para isso. No fim, é tão perdido como qualquer outra pessoa, sofre a mesma ansiedade que eu e meus antagonismos.

 

Por mais vazia que a minha leitura fosse, não havia como não dedicar atenção especial aos momentos em que o autor tenta teorizar sobre o inconsciente, sua capacidade literária e o comportamento das pessoas que convivem com ele. Me lembrou Mark Strand: “Once you start describing nothingness, you end up with somethingness.”

Creo que la computadora viene a sustituir lo que un tiempo fue mí Inconsciente como campo de investigación. En mi Inconsciente llegué a investigar tan lejos como pude, y el subproducto de esa investigación es la literatura que he escrito (aunque al mismo tiempo también la literatura oficiaba como instrumento de investigación, al menos en ciertas instancias).

No fim, fiquei com vontade de retomar os amontoados de moleskines (quase nenhum realmente acabado, a maioria só contém palavras-chave). Vontade de escrever à mão e sentir um texto que precisa de um pensamento mais lento e que dura o quanto as mãos aguentarem, ou mesmo tentar desacelerar o processo no computador. Fiquei pensando sobre iniciativas que talvez não sejam iguais ao método do Levrero, mas também têm essa preocupação com a lentidão e espaço para a mudança. O Cowbird, por exemplo, é uma rede social de compartilhamento de histórias. O layout é inteiro pensado para conter o mínimo de elementos distrativos. Talvez seja uma opção menos punk pra quem não consegue desapegar do teclado. Ou você pode se inspirar neste tumblr e fazer a sua própria autoterapia grafológica.