Há pelo menos uns três anos que vou a lançamentos e conversas com escritores e quadrinistas e tradutores, eventos que costumam terminar com uma longa (ou nem tanto) fila para autógrafos.

Autógrafo de escritor costuma ser legal pelo tempo de conversa obtido enquanto ele faz a dedicatória, principalmente se já lemos outros de seus livros ou de seus escritos na internet e, portanto, o papo promete; a dedicatória 1 e o livro novo, 2 comprado para que pudéssemos entrar na fila, são o que menos importa.

Autógrafo de quadrinista, por outro lado, costuma agregar valor ao camar… ops, ao livro: nesses casos, ficamos quietinhos para não atrapalhar a arte do moço, que desenha uma… “Borboleta? Não, aquilo é uma orelha e… AI MEU DEUS, ele tá me desenhando!” Mesmo quando é um desenho mais preguiçoso e automático, é legal.

Autógrafo de tradutor só é permitido em caso de fanatismo literário 3 ou de Ulysses, Guerra e Paz, A Anatomia da Melancolia e semelhantes. Tradutores legais feito o Érico Assis te darão os mesmos minutinhos de papo dos escritores sem autografarem nada. 4

A Flip é um bom terreno para exceções. Você sai pelas ruas de Paraty com seu exemplar da Granta 9, coletando autógrafos como quem tenta completar o álbum do Campeonato Brasileiro – mesmo que não dê para conversar com os caras. No mesmo dia, vê uma mesa tão boa da programação oficial que precisa comprar os livros daqueles seres humanos, só para (1) ter a oportunidade de agradecer a experiência intelectual e/ou sentimental e (2) guardar uma lembrança do momento –  ao menos, foi assim com Francisco Bosco, Lila Azam Zanganeh e José Luiz Passos, os quais nunca tinha lido.

Se tinha alguma curiosidade de como é estar do outro lado da mesa, acabei de matá-la. Na última quinta-feira, ocorreu o lançamento do Livro dos novos, 5 uma coletânea com contos de 16 autores radicados no Paraná, todos com idade entre 20 e 30 anos – eu não conhecia quase nenhum deles, mas já adicionei todos no Facebook. 6 Foi na Livraria da Vila – ou seja, foi um evento chique. Uma mesa gigante, mas apenas uma cadeira, em que se revezavam os autores – opa, acabaram de liberar o lugar, já sentei! Vinho branco e água sendo servidos. O que é aquele ponto colorido no meio da foto? Ah, é o Tuca.

“Perto do fim, a gente lembra do começo”: podia ser Shakespeare, mas a frase é do filme Sr. e Sra. Smith. Há três anos conheci o Laerte, no lançamento de Muchacha – até resenhei, veja só. 7 Na época, também fiz uma oficina literária express com o Luiz Bras – foi nela que inventei de escrever o “Guarda-roupas”. Não que fosse esta a finalidade de tudo, como a citação parece apontar, mas, três anos depois, voa lá! “Guarda-roupas”, conto dedicado ao Laerte, é publicado num livro com prefácio do Luiz Bras.

É bom deixar tudo muito bem dividido na cabeça. As fofocas literárias do sábado são legais, mas não são literatura. Flip é legal, mas não é literatura. Conhecer (alguns) autores é legal, mas não é literatura. Resenhar livros é legal, mas não é literatura. Publicar é legal, mas não é literatura. Ver os amigos no seu lançamento é legal, mas não é literatura. Literatura é o elemento de presença mais constante na minha vida: Ah, o que o Tuca faz? – resposta: Ele lê. Literatura é o que eu levo a sério. Longe de mim, me levar a sério.

Foi uma noite divertida. Elogiaram o meu blazer. Vi amigos que não via há dias, semanas ou meses. Como prometi no Twitter que faria desenhos nos autógrafos, cumpri o que disse – ainda que continue sem saber desenhar. Uma amiga pegou uma das cadeiras de leitura da livraria, acrescentou umas cinco almofadas e juntou isso tudo do lado da mesa de autógrafos, só para eu ter onde me apoiar. Fiz dedicatórias sinceras, mesmo temendo que fossem interpretadas ironicamente 8 – quem queria pegar os autógrafos de todos os autores certamente deve ter se irritado com a minha demora em cada exemplar e desistido de mim. Duas amigas ativamente produziram a composição de várias fotos engraçadas e coloridas. O cérebro deu tilt e a mão não aguentava mais segurar uma caneta – quanto mais trocar de cores, nos desenhos mais ambiciosos.

Em alguns exemplares, escrevi o título dessa coluna – If you like it then you should put a rainbow on it. Geralmente, a frase acompanhava um poeminha que fiz para a ocasião, o qual omito para manutenção do pouco de dignidade que me resta. Acho que escrevi esse texto para explicar a origem da frase – além da óbvia referência à Beyoncé.

Há alguns anos tive um sonho, que anotei para usar num conto ou numa crônica que nunca escrevi. Talvez escreva, mas vou contar o sonho mesmo assim. Nele, eu observo o céu brancodeprimente de Curitiba; há dias em que o nublado é tão coeso que parece uma folha de papel sulfite sem nada escrito. Na minha altura, as pessoas andam para trás, do jeito esquisito dos filmes sendo rebobinados. De repente, todas param para olhar o céu e eu volto a fazer o mesmo. Se olho bem, percebo pequenas tonalidades de verde, vermelho, rosa, amarelo, gradualmente mais fortes e mais nítidas. Demora um pouco para eu sacar que são fogos de artifício, só que, sim, rebobinados. Com o céu mais limpo, dá para notar vários pontos de luz subindo, recolhendo suas respectivas porções de fumaça, se unindo em um ponto central, até descerem, faiscando, aos tubos com pólvora. O espetáculo às avessas também é um baita espetáculo. O céu cada vez mais limpo, até que percebo no chão vários pavios desqueimando na minha direção. Eu me abaixo e recolho o fogo num fósforo carbonizado pela metade. A chama sobe até a cabeça deste e eu o apago na calça. E o guardo no bolso.

É tão fácil botar a culpa do tédio na cidade nublada 9 quanto teria sido fácil adotar uma pose blasé no lançamento. Afinal, lançamento não é literatura etc. Mas literatura não é tudo. O seu conto pode ser esquisito ou incompreensível, 10 mas por causa dele você está revendo um monte de pessoas das quais estava morrendo de saudades, um monte de gente que provavelmente tinha coisa muito melhor para comprar com 30 reais – plmdds, Nu, de botas, do Antonio Prata custa 31, sem desconto algum. 11

É difícil inventar um arco-íris nos dias entendiantes – o que não quer dizer que não valha a pena. Cansa 12 a mão e o cérebro fazer um autógrafo especial para cada pessoa importante na nossa vida – o que não quer dizer que não valha a pena.

A quem estou querendo enganar? Não escrevi esta coluna querendo explicar coisa alguma. Escrevi-a para ser monotemático, pois a escrevi com imensos blocos de gratidão. A tantos que manifestaram um carinho nada burocrático, eis o meu carinho nada burocrático – afinal, se eu quisesse burocracia, tinha continuado no ramo do Direito.

  1. Há autores criativos que dispensam o burocrático “com carinho” para escreverem algo relacionado ao livro, mas não vá esperando isso, sob pena de se decepcionar. Autores cujos autógrafos guardo com um carinho não burocrático: Daniel Pellizzari (ele desenha!), Daniel Galera (ele faz referência ao livro), Elvira Vigna (ela lembra dos papos do Twitter), Luisa Geisler (ela usa todas as cores daquela caneta que tem quatro opções delas) e Vanessa Barbara (ela faz autógrafo virtual com carimbo de macaco).
  2. Livro que pode ser um bomba ou nunca ser lido.
  3. Eu pediria autógrafo da Vanessa Barbara em O Grande Gatsby sem titubear, pois que só o li porque a tradução era dela
  4. Este, inclusive, contou-me uma anedota quando inventei de pedir autógrafo no volume 1 de Scott Pilgrim. Ele estava presente numa sessão de autógrafos do Craig Thompson, cujo Retalhos traduziu, e alguns rapazes vieram pedir-lhe autógrafo do tradutor. Érico respondeu que, se fosse autografar, faria bigodinhos nos desenhos que Thompson acabara de fazer para eles, pois era isso o que um tradutor fazia: meio que estragava de alguma forma o original. Achei divertido (e escondi meu livro, pois não queria uma Ramona Flowers bigoduda).
  5. Carinhosamente apelidado por mim de LIVRODOSNOVOS por conta da capa.
  6. Funny fact: até em coletâneas, há Guis por toda a parte. No caso, um Guy. Outro funny fact: este Guy assistiu a uma aula minha sobre contos, num dia em que substituí minha orientadora numa aula de Teoria da Literatura I.
  7. Nhó!
  8. O temor parecia refletir algumas linhas da última coluna do Pips: “Anos antes colocaria dedicatórias quase sinceras nas noites de lançamentos. Hoje é um pequeno visto, no máximo, em caso de leitores conhecidos, a data e local.”
  9. Difícil é achar uma coisa boa por dia e aprender a lição da Bernadette.
  10. Não do jeito “ai, que orgulho não ser compreendido no meu próprio tempo“, mas do jeito “é ruim MESMO“. Espero que não seja o caso, mas, se for, whatever.
  11. Aliás, o Posfácio está sorteando este livro.
  12. Muito!