Me lembro vagamente da primeira vez que lidei com a morte. Foi aos 4, quando pedi para a minha mãe me levar no cemitério. O porquê do pedido, não sei. Curiosidade de criança, acho. Ela conta até hoje, rindo: “você, da altura das sepulturas, olhou pra dentro das gradinhas, arregalou o olho, e começou a chorar: eles estão aí dentro????”. Era no Cemitério São Paulo, no qual as covas ficam com as portinhas vazadas, exibindo as “gavetas” de concreto pouco convidativas.

Pensei nessa história alguns dias atrás, depois de ler FIM (Companhia das Letras), o primeiro romance da atriz Fernanda Torres. O livro conta a história de cinco amigos, Ciro, Álvaro, Neto, Silvio e Ribeiro a partir do fim de suas vidas, como se fosse uma narrativa in memoriam. Ciro é o macho alfa; Álvaro, o broxa; Neto é careta; Silvio, porra louca; e Ribeiro, atlético-paranoico.

FIM é interessante porque sua divisão capitular, separada entre as cinco personagens principais (e mais duas secundárias), quebra o ritmo do “narrador só”. A estratégia nos permite ter cinco visões de cada um dos protagonistas, numa espécie de polifonia (fofoqueira, diga-se de passagem). Até as esposas participam da narrativa – sempre neuróticas, mal-amadas, amarguradas, imaginem só.

Seus causos são bem contados com um “texto-fórmula” que denotam o estilo autoral de Fernanda Torres: frases curtas, vocabulário extenso, e alguns (ok, poucos) lugares-comuns.

É um típico livro tragicômico, com muitas asneiras escatológicas do universo masculino carioca, com um quê de malandragem inócua, bastante putaria e alguns arrependimentos. Pra quem já presenciou algumas vezes adultos fanfarrões, soa muito real. Diria que Fernanda Torres deve ter testemunhado algumas noitadas, ou pelo menos conversas de seu pai e amigos.

Em suma é um livro sensível e sagaz, que conseguiu retratar a temática mórbida e os fracassos pessoais com um humor gostoso, sem ser forçado. Não achei a melhor coisa desde pão fatiado, como muitos críticos pareceram insinuar na contracapa do livro. Mas é genuíno, original e modesto. O que já está de bom tamanho para uma escritora que tem um talento indiscutível de atuação.