Tirando as apostas do Nobel que fiz junto com o Tiago, foi em 16 de abril de 2013 a última vez que escrevi para o site. Pouco menos de um ano. De lá pra cá insistentes promessas de que voltaria. Mas o dito retorno, nada.

Não que não tenha lido nada que valesse a pena. Não que não tenha pensado a respeito de coisas sobre as quais gostaria de escrever. Mas acabei me perdendo em um sem número de imbróglios, acabei não tendo aquele ímpeto para o trabalho que algumas pessoas insistem em mistificar como inspiração. E tinha lá meus outros projetos e minha vida profissional correndo paralelamente, devorando meu precioso tempo.

Esses dias li Nas peles da cebola, de Günter Grass. Foi Grass, mais ou menos, o tema do último texto que publiquei aqui. Pensei em resenhar o livro, desisti: ando – faz tempo – um pouco cansado de resenhas. Mas não deixei de aproveitá-lo. Tanto que cá estou.

É engraçado como os temas das minhas leituras se repetem. Não apenas a Segunda Guerra Mundial, com a Shoah, mas algo que está por trás da própria repetição: a memória. O livro são as memórias de Grass, desde sua adolescência até a publicação de seu primeiro romance. No meio do caminho uma boa quantidade de percalços, inclusive a traumática e vergonhosa participação nas SS.

Essa revelação, aliás, deixou o mundo em polvorosa. Pelo menos os que ficaram sabendo e se importam. E se, por um lado, encontrei qualquer coisa de chocante nisso, não diminuiu minha opinião a respeito de Grass. Ele era jovem e inconsequente. Ademais, as pessoas mudam.

Ele mudou: criou uma consciência, passou a se envergonhar de algo que nunca esqueceu – e nem poderia. Tornou-se uma voz contra os crimes que cometeu por omissão, contra o pior dos crimes cometido pela humanidade. Tornou-se uma voz contra a guerra, contra o preconceito, contra muitas outras coisas.

Mas o mundo não costuma ter tanta consideração pelas pessoas que cometem erros e se arrependem. Depois de Nas peles da cebola e um poema criticando a postura nuclear de Israel – poema que correu o mundo em traduções que me parecem um tanto inconsequentes, ainda mais do que talvez o próprio poema – Grass foi declarado persona non grata no país judeu, tido como antissemita contumaz e proibido de entrar lá.

Assim como a memória, a responsabilidade pelo visto também nunca prescreve. E é esse o ponto nevrálgico da questão: para o autor e seus defensores, o poema é o atuar nessa responsabilidade de ter, antes, calado; para seus detratores é visto como uma continuidade do erro cometido há tantos anos, dos crimes cometidos indiretamente.

Mas eu me desviei do que pretendia. Quando comecei a escrever isso, queria ser um cliché pós-moderno e escrever sobre a dificuldade que ando tendo para escrever. Não foi bem assim: quiçá tenha recaído no outro lado da coisa, escrevendo sobre a dificuldade que é ler, nesse mundo carregado de história. Eu queria poder ler Grass sem pensar em tudo isso. Não acredito que Grass seja realmente um antissemita, e nisso tenho o jornalista do Haaretz, Gideon Levy, comigo. Mas ainda assim a cada vez que o leio, tenho muito mais no que pensar do que imaginei ao começar.