O movimento Kibutznik foi, sem dúvida, a pedra fundamental da construção do Estado de Israel. Colônias agrícolas criadas a partir do trabalho árduo e da ideologia foram tão importantes quanto as guerras que garantiram a Israel sua independência e existência – e, certamente, muito mais honestas e humanas. O sionismo, o comunismo e o secularismo eram suas matrizes ideológicas, tão poderosas que a derrocada desse tripé praticamente marcou também o fim dos kibutzim (e de toda uma era na história israelense): por mais que os kibutzim ainda existam, hoje são mais como cooperativas agrícolas voltadas ao comércio e ao turismo, parecem-me uma zombaria daquilo que um dia foram.

Mesmo hoje, porém, em uma época que o sionismo revisionista é a tendência político-ideológica dominante no país e na qual os kibutzim em pouco lembram seu início, Israel ainda é muito influenciado pelas vivências daqueles pioneiros e das gerações subsequentes: muitos de seus mais influentes intelectuais e políticos passaram ao menos parte de suas vidas nessas fazendas coletivas.

Uma dessas pessoas é Amós Oz, escritor veterano, um dos mais famosos e influentes a publicar em hebraico. Passou parte de sua juventude em um Kibutz e isso muito provavelmente teve grande impacto em sua forma de ver o mundo. Seu último livro, Entre amigos, publicado pela Companhia das Letras em tradução de Paulo Geiger, é uma amostra disso.

O livro traz oito contos ambientados no Ikhat, durante os anos 1950. A cada conto novas personagens são introduzidas e as dos contos anteriores revistas ou aprofundadas, formando uma trama que não é de modo algum única ou linear, mas que tece, como a uma tapeçaria, um cenário rico em detalhes e ideias.

Entre amigos abre com o conto O rei da Noruega, que acompanha uma espécie de desventura amorosa – se é possível chamar o que acontece assim – de Tzvi Provizor, exímio jardineiro e paisagista, tradutor de Iwaszkiewicz, que foge do contato humano com a mesma avidez que se lança a espalhar as notícias das infelicidades do mundo.

Já nesse conto somos apresentados a Roni Shindlin, palhaço fofoqueiro que é quase onipresente, sempre com uma aura de desdém e gozação para com os problemas e dilemas alheios: em Duas mulheres, quando o esposo de Osnat a abandona para viver com outra mulher, ele é um dos primeiros a espalhar palavras maldosas.

Shindlin também estrela seu próprio drama, em Um menininho. Seu filho, cruelmente apelidado de Iuval Catarral, é uma criança fraca que sofre com as provocações e maus-tratos de seus coleguinhas – com quem vive na moradia coletiva das crianças. É justamente isso que leva Roni a entrar em curso de colisão com os princípios e a sociedade do kibutz.

De maneira semelhante, em Dir Adjlun, a mãe viúva Henia Kalish decide confrontar a estrita sociedade comunal em nome de seu filho, Iotam, que recebeu do tio – que abandonou o kibutz – o convite para estudar na Itália. Apesar da oposição de Ioav Karni – o jovem secretario do kibutz – e de David Dagan – um velho, mas sedutor e ideologicamente irredutível veterano –, ela está disposta a conseguir que seu filho aproveite tal oportunidade. Iotam, porém, não compartilha de seu entusiasmo.

E assim, conto a conto, Oz desenha com maestria a complexa vida no kibutz Ikhat. E o resultado final é um desenho bastante belo, mas sem dúvida um tanto quanto triste e sem esperança – talvez por Oz e o leitor saberem o que acontece depois, coisa que as personagens podem apenas suspeitar. Bastante significativamente o único conto em que o tom é outro é o último, Esperanto, em que Martin Vanderberg – sapateiro do kibutz, teimoso sobrevivente da Shoah – morre. Mas não sem dar algumas aulas de esperanto  e de esperança para Moshe Iashar (um jovem de família pobre que visita o pai moribundo no conto Pai), Osnat (de Duas mulheres) e Tzvi Provizor (chamado de “Anjo da Morte” por Roni Shindlin no conto que abre o livro).

A estrutura narrativa é bastante similar à de outros livros do autor, como Cenas da vida na aldeia – a coleção de contos que pode ser encarada, talvez, como uma sequência de capítulos de ligação tênue, uma novela em que o espaço (físico e ideológico) assume o protagonismo. Mostra, porém, não apenas um Amós Oz bastante maduro, mas também um pouco envelhecido: parece surgir certa preocupação com o futuro, com o que será do mundo quando as próximas gerações o assumirem.