É engraçado imaginar o que vamos pensar quando ficarmos mais velhos, tanto para jovens quanto para idosos. Acredito que grandes mudanças não acontecem só entre os 20 e os 50 anos, mas também entre os 60 e os 80, por exemplo. Tendemos a pensar que, assim que envelhecemos um pouco, chegamos a uma estabilidade quase mórbida, que nos faz permanecer os mesmos até nossos últimos dias. Um pensamento, eu diria, bem consoante com nossa sociedade de consumo. “Não tem mais como seguir as tendências da moda? Fim, acabou sua vida pra gente.” Felizmente, pela poesia, às vezes, conseguimos ver que essa estabilidade sequer exista para além de um ideal.

Digo isso tudo repensando minha leitura de Sete suítes (2010), de Antonio Fernando de Franceschi. Autor premiado, aclamado por figuras críticas importantes, como Antonio Candido, o poeta me surpreendeu muito com seu livro, para bem e para mal. Sim, explico: o Franceschi que já “conhecia”, que, ao menos, já tinha lido um pouco e de que tinha ouvido falar mais um pouco, está bem longe desse Franceschi mais recente. Só conhecia o autor por seu envolvimento com a “novíssima poesia” dos anos 60, com a boemia poética paulistana da época, da qual faziam parte também figuras como Claudio Willer e Roberto Piva. Não saberia dizer a razão do afastamento estético tão marcado do autor em relação à sua juventude, porém ela é um fato inegável e perceptível a qualquer um que compare sua produção compilada em Os dentes da memória (Azougue, 2011) e este pequeno livro da coleção de poesia contemporânea da Companhia das Letras.

Confesso que, talvez por minha idade e por minhas tendências de leitura, tenha me mantido muito distante dos poemas de Franceschi nessas Sete suítes, suítes essas compostas de textos que mantêm uma proximidade entre si, uma coerência quanto à visão sobre um determinado aspecto da vida. Algumas suítes, como a primeira, referente à cidade natal do autor, Pirassununga (SP), são compreensíveis, afinal se vê nelas uma busca pela memória, essa base de nossa estabilidade emocional. O poeta, no caso, não explora seu passado de forma individual, autobiográfica no sentido comum. Não é necessário conhecer a vida do autor para entender esses poemas. Nesse sentido, talvez ele tenha realmente se aproximado do objetivo de T.S. Eliot, posto na orelha do livro, de fugir da emoção e torná-la “impessoal” pela técnica.

Minha pergunta que surge sobre isso é: é possível a fuga da emoção, da personalidade? Algo realmente de frutífero surge dessa meta? São muitas as vanguardas do século XX que buscaram se afastar do eu na literatura a fim de tratar de experiências coletivas. Em certa medida, o que geralmente me aparece como resultado é a constatação de que, não, não podemos fugir de nós mesmos. A Pirassununga de Franceschi só existe em sua poesia, e não há nada de mal nisso. Ainda assim, literatura é comunicação: escreve-se para apresentar um texto para leitura, para procurar um leitor. Por mais experimental que seja um texto, sempre há a esperança de se apresentar um novo ponto de vista sobre as coisas, mesmo que ele seja refutado pela maioria. Para ser reprovado, precisa-se ser lido.

Franceschi, então, escreveu para ser lido, e buscou por isso, talvez, essa “poesia mineral”, essa exploração das formas, da tradição como meio de se afastar do campo pessoal. A aproximação com o surrealismo de seu grupo da juventude pareceu sempre, no meu entender, buscar a realidade mesmo no fantástico, mas nunca se negou enquanto indivíduo. Os poemas de Franceschi jovem, como de Piva, afirmam a todo tempo uma individualidade que luta contra uma visão das coisas imposta pela sociedade, pelo Estado. Assim, demoro a entender como Franceschi quer revisar sua vida, firmar uma memória para, em seguida, despersonalizá-la e ainda conseguir se comunicar. Em Sete suítes, há um produto dessa memória, mas ele me parece estéril demais.

A esterilidade de boa parte da poesia contida em Sete suítes, acredito eu, se deve a um caminho pela estabilidade que se anula por negar a subjetividade. A exploração de topoi clássicos ou até mesmo de formas poéticas fixas vem para buscar na história essa estabilidade, essa mineralidade da vida, no sentido em que ela seria composta aos poucos, de forma gradativa, mas ainda firme, baseada na terra. Ainda assim, os exercícios de técnica de Sete suítes, de suas “elegias negativas”, infelizmente, parecem mostrar um artesão que não sabe muito bem mais por que cria. Sem a estabilidade almejada, só resta a melancolia da técnica.