Por mais que odeie frases prontas, sempre genéricas e às vezes também moralistas, dou o braço a torcer àquela que diz que “menos é mais” e Rio, eu te amo, terceiro filme da série Cities of Love é prova cabal disso.

O filme conta com uma estrutura de divulgação poderosa, um esforço conjunto da gigante Warner e da Empyrean Pictures com as produtoras nacionais Conspiração e Bossa Nova Films, além do apoio da prefeitura do Rio. Seu lançamento não é apenas um acontecimento cinematográfico, mas abarca toda a cidade em áreas que vão da gastronomia a eventos bundalelês como “declare seu amor à cidade”. Na direção dos dez segmentos que compõem a narrativa, apenas nomes estrangeiros e pratas da casa de prospecção internacional: de Paolo Sorrentino, premiado como Oscar de melhor estrangeiro desse ano por A Grande Beleza (2014), a Carlos Saldanha, hoje o diretor brasileiro mais bem sucedido no exterior, das franquias de animação A Era do Gelo (2002) e Rio (2011); de John Torturo (Amante a Domicílio, 2014), a José Padilha (Tropa de Elite, 2007), passando por Fernando Meirelles (Cidade de Deus, 2002), o mexicano Guillermo Arriaga (roteirista de 21 Gramas, 2003), a libanesa Nadine Labaki (Caramelo, 2007) e até o sul-coreano Sang-soo Im (The Old Gardner, 2006). O time de atores é predominantemente nacional, com nomes bem conhecidos como Fernanda Montenegro, Marcelo Serrado, Wagner Moura, Claudia Abreu, Rodrigo Santoro, Tonico Pereira, além da nova geração composta por Bruna Lizmeyer, Cleo Pires, Laura Neiva e até Eduardo Sterblitch (do programa Pânico na TV). Para vitaminar essa mistura, também estão os americanos Heyvel Keitel e John Torturo (protagonista, ao lado da francesa Vanessa Paradis, do segmento que ele próprio dirige), o francês-quase-brasileiro Vincent Cassel e inglesa Emily Mortimer (da série The Newsroom).

Contudo, nem a forte estrutura de produção, nem os estrelados nomes do elenco e nem mesmo o orçamento de R$ 25 milhões fazem de Rio, Eu te Amo um filme próximo de bom ou original. Mantendo e potencializando os problemas dos dois filmes anteriores da série Cities of Love (com Paris em 2006 e Nova York em 2008), criada pelo produtor francês Emmanuel Benbihy, essa “declaração de amor à Cidade Maravilhosa” resulta numa colagem coxinha e confusa de histórias clichês que expressam um desconhecimento quase total da realidade carioca, sambando desajeitadamente como um turista bêbado em lugares comuns que reforçam a perniciosa mística em torno do Rio de Janeiro e faz tão mal aos seus habitantes menos favorecidos.

Até mesmo os segmentos que saem dos cartões postais da zona sul e buscam o mondo cane da zona norte, da pobreza e das favelas (como em Texas, de Guillermo Arriaga), o que vemos é um esboço de narrativa que quase nada encontra ressonância na vida carioca, apenas a velha cosmetização da pobreza ou uma versão estrangeira do subgênero brasileiro favela movie.

Vincent Cassel, no segmento podre A Musa de Fernando Meirelles, é o “sofrido” morador do complexo do Alemão que pega o teleférico de Bonsucesso e faz uma longa jornada até as praias da zona sul para montar suas esculturas de areia. Em meio aos barulhos da cidade, apaixona-se debilmente pelos pés de uma transeunte, e tendo sua paixão frustrada (a moça tem um namorado), decide passar a noite construindo um monumento aos pés sensuais, uma estátua de areia gigante que fecha essa história sem pé nem cabeça da mesma forma como ela começou: sem nada representar.

Caiu nas mãos de Vicente Amorim (de Um Homem Bom, 2008) a bomba de costurar esses fracos contos. Para tanto, insere dois personagens para servir de cola a todas as tramas, a tradutora-professora Claudia Abreu e seu ex-marido, Michel Melamed, além da participação de Marcio Garcia. Contudo, devido ao fraco nível das histórias, que por serem curtas e mal aproveitadas dificilmente geram empatia na plateia, a cola não funciona e faz com que essa multitrama desabe como um castelo de cartas mal-ajambrado, com histórias de tom e estilo muito diferentes, muito instáveis ou, às vezes, simplesmente muito ruins.

Porém, para além de todas as críticas supracitadas, existem dois elementos que atingem o topo dos incômodos causados por esse filme. O primeiro é o excesso de erotização das mulheres, comum no olhar estrangeiro, que vê a brasileira como lasciva por natureza e em todas as suas relações sociais um quê de sensualidade e flerte – um estereótipo que só torna mais difícil o sério problema de assédio e abusos a que as brasileiras sofrem em base diária e contra os quais têm lutado com pulso firme. O segundo elemento é a falta de personagens negros relevantes: numa cidade construída pelo suor e sangue dos escravos, no filme eles são meros apêndices ou raros figurantes. Assim, Rio, eu te amo é nada mais do que a velha exploração do exótico, como se assisti-lo fosse um safari pela savana Brasil onde nós somos os bichos.

Eu amo o Rio de Janeiro, realmente amo. Sou um paulista que há dois anos vim morar aqui por motivos profissionais, pensando que não me adaptaria e, hoje, passado esse tempo, mesmo com seus problemas, discrepâncias e provincianismo digo com muita alegria que não gostaria de estar morando em outro lugar. Passeando pela cidade, especialmente por cortar da zona norte (onde moro) à zona sul todos os dias, noto como a vida dessa cidade inspira a criatividade e faz coçar a pena do escritor/roteirista de olhar atento. É uma cidade cheia de histórias paradoxais, complexas, mas ricas de humanidade. Costumo dizer que aqui está condensado, de forma mais intensa do que em qualquer outro lugar, o “espírito” brasileiro. Vai notá-lo, porém, só aquele que passeia por suas ruas, que sente seu cheiro, que vive seus problemas  que entende seu espírito vibrando no dia a dia, e não um punhado de pseudocults estrangeiros com uma câmera na mão e nenhuma ideia na cabeça. O Rio de Janeiro merece bons filmes, inclusive já teve alguns, mas Rio, eu te amo certamente não é um deles.