Desde a premiação do Nobel de 1996, a poeta polonesa Wisława Szymborska (1923-2012) passou a figurar entre as prateleiras das livrarias mundo afora, porém é fato que ela já era reconhecida e muito em seu país há décadas. Por todas essas décadas, desde 1952, a poeta publica livros de poesia e ocasionais ensaios críticos em número muito menor. Observe-se a data: o primeiro livro sai em 1952, apenas sete anos após o final da Segunda Guerra Mundial. Além disso, Szymborska tinha somente 29 anos à época, ou seja, sua juventude foi marcada pelo conflito europeu, que, como se sabe, afetou a Polônia de modo brutal. Não se trata de biografismo: tudo isso aparece claramente em sua poesia, motivo talvez pelo qual ela tenha sido tão lida.

Para além do fator histórico, a leitura dos poemas da poeta polonesa também atrai a muitos por sua “simplicidade” sempre enfatizada pela crítica, inclusive a estrangeira, afinal Szymborska é traduzida para o inglês desde 1981. Mas o que seria uma “poesia simples”? Como a criação poética de uma mulher que desde jovem passou por tantas reviravoltas em sua vida pode ser “simples”?

Em sua poesia, há a clara consciência de que existem “quatro bilhões de pessoas no mundo”, mas que a imaginação daquele que escreve permanece a mesma, não se deteriora diante da experiência coletiva. Ela não deixa de ser uma “filha da época” que viveu, “época política”, como diz. Também se vê como mulher sempre, próxima da mulher que “deve ser para todos os gostos” e que deve “mudar só para que nada mude”, mas, ainda assim, de imaginação própria. Nisso talvez muitos digam que sua poesia é simples, mas por motivos diferentes: simples por ser simplória na visão daquele filho da burguesia, individualista, patriarcal; simples por ser acessível, por se mostrar tão palpável àqueles que entendem os dilemas da guerra, da sociedade, da mulher.

“Sou quem sou. Inconcebível acaso como todos os acasos.” É o que se diz na abertura de “Entre muitos”, que termina por distanciar o eu-lírico do “eu mesma” que poderia ser. O poema trata de uma brincadeira de distanciar o “eu-lírico” da poeta, enunciadora do poema, um texto em que Szymborska pessoa e narradora dos poemas estão tão próximas que é difícil separá-las. Daí o biografismo quase inevitável (para mais dados da vida da autora, leia nossos outros textos sobre ela). Mas digo “quase” porque sua poesia sempre se constrói pela experiência coletiva. É claro que existe ainda a percepção da poeta, que seleciona e escreve apenas o que deseja, como um cineasta faz com um filme.

Poemas como “Funeral”, constituído de aparentes falas de pessoas presentes em uma cerimônia em um cemitério, ao mesmo tempo que nos faz querer distanciá-lo do eu-lírico dos outros poemas, cria uma ligação com eles pela temática, afinal a poeta continua sendo a mesma. Nesse ponto, Szymborska nos lembra – ou me lembra apenas – de Ana Cristina Cesar, nossa conterrânea, que escreve de modo semelhante, ainda que em contexto diferente. Seu “Conversa de senhoras” nos remete a “Funeral”, bem como tantos outros poemas de sua obra. São, de fato, duas poetas que se apropriam do sentimento conhecido para a construção de uma só subjetividade, coletiva e individual ao mesmo tempo.

Digo isso, mas tenho consciência de que alguns podem dizer que Szymborska se refere mais a sua época do que Ana C., que seria menos “concreta”. Essa concretude de Szymborska não existe em sua poesia nem na escrita de ninguém, acredito eu. Sua poesia se mantém ao mesmo tempo próxima de seus conterrâneos e contemporâneos, como Czesław Miłosz, Zbigniew Herbert e Tadeusz Różewicz, quanto de outros escritores de outros países e outros tempos. A almejada atemporalidade da literatura às vezes parece estar em Szymborska, mas acredito se tratar somente dessa consciência na escrita de que a humanidade em geral sente parecido o mundo.

De qualquer modo, fica a recomendação da leitura da poeta polonesa. Acredito que a simplicidade de sua poesia se dê pela acessibilidade a todos, não só a nível linguístico, mas sentimental. A professora Regina Przybycien, que estudou por anos as relações entre o cânone literário e a autoria feminina, certamente é uma boa tradutora, pois consegue captar a beleza da forma de sua poesia e transcrevê-la em português de forma única.