Não há dúvida quanto ao fato de o tempo ser um dos mais misteriosos, elementares e desconcertantes fenômenos da realidade. E isso pensando tanto na física e nas ciências naturais, tentando entender o que é o tempo enquanto fenômeno quantificável e qualitativo; quanto na História (e em outras medidas nas ciências humanas em geral), para a qual a passagem do tempo é uma grandeza humana e um processo fundamental.

O estudo do tempo, seja como fenômeno físico ou como grandeza humana, tem ocupado as mentes de muitos cientistas e intelectuais na contemporaneidade, com mais ou menos sucesso, sem, entretanto, ser capaz de quebrar a aura de hermetismo e aparente clareza que o circunda. Talvez não haja passagem mais expressiva nesse sentido do que a célebre frase de Santo Agostinho (não à toa de suas Confissões): “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fez a pergunta, já não o sei.”

Alan Lightman, por seu próprio caminho, também chegou a esse manancial de tentativas de definição do tempo. O romancista, no entanto, tomou como interlocutor para seus questionamentos e sua história uma figura célebre do século XX no que tange aos problemas relativos ao tempo, o cientista suíço Albert Einstein. Mais do que interlocutor, aliás, Einstein tornou-se um personagem do romance (talvez devemos chamá-lo de novela) Sonhos de Einstein, publicado em 1992.

O livro é construído como se fosse um diário de sonhos de Einstein, entremeado por alguns capítulos e intermezzos em que Lightman toma a narrativa para si, para oferecer, em terceira pessoa, uma moldura mais ampla. O tema recorrente dos sonhos, o fio que costura e liga cada um deles, é justamente o tempo. Não o tempo com um enfoque matemático ou teórico, mas concepções várias de tempo aplicadas a situações oníricas, criando realidades cujo comportamento e funcionamento discrepa profundamente da nossa por conta das propriedades peculiares desse fenômeno tão elementar.

Há, por exemplo, uma realidade em que o tempo anda para trás, de modo que as pessoas tenham que se acostumar a viver as suas vidas ao contrário, rejuvenescendo como se fossem, todas elas, Benjamin Buttons perambulando para lá e para cá. Em outro sonho, foi descoberto que o tempo passa mais devagar quanto maior for a altitude, de modo que casas sejam construídas nas alturas das montanhas na tentativa de atingir a longevidade. Há outro sonho em que o tempo é extremamente acelerado, e as pessoas vivem somente um dia, de modo que tenham que definir muito bem suas prioridades e adequar-se, num sentido existencial, a esse tipo de vida. Há ainda outro em que alguém voltou no tempo e vive agora com medo, pois qualquer mínima alteração que causar pode significar sua não existência futura.

Nos poucos momentos em que Lightman toma a narrativa para si, vemos Einstein acordando em meio a anotações numa mesa de trabalho, pronto para passar à datilógrafa suas teses acerca da relatividade; ou jantando com seu amigo Besso, preocupado com o estado de Einstein – debilitado pela quantidade de tempo e nervos que suas pesquisas lhe absorvem. Em parcas passagens é possível ver laivos da vida cotidiana de Einstein, que são, a meu ver, propositalmente breves para dimensionar o quanto ele se dedicou a suas descobertas, e como ele viveu frugalmente em relação ao estrondo que representaram seus teses para o mundo da ciência. A discrepância nesse sentido é gritante, e o contraste deve ter sido pensado por Lightman como um recurso para realçar a figura toda.

Sonhos de Einstein, aliás, teve uma acolhida calorosa ao redor do mundo, já tendo sido traduzido em mais de trinta idiomas e constando entre obras de referência de cursos universitários. Isso se deve, em grande parte, ao fato de Lightman congregar dois expertises muito incomuns: ele é um físico (professor do MIT) e escritor. Sua obra, portanto, carrega marcas de saberes muito diferentes entre si, mas que Lightman consegue dosar numa medida muito interessante, tornando-a muito peculiar dentro do grande universo da literatura (e certamente, também, no mundo da Física).

Aquelas duas dimensões de análise do tempo mencionadas no primeiro parágrafo dessa resenha (do ponto de vista das ciências naturais e das ciências humanas) aparecem parcialmente combinadas na prosa de Alan Lightman. Os sonhos que Einstein tem, ficcionalizados no livro, não partem de uma cabeça que pensa somente em termos matemáticos, mas sim em termos bastante (por assim dizer) humanos. Embora a figura que formamos de Einstein esteja à sombra de sua contribuição à ciência, existe uma sensibilidade no pensar, uma certa forma de conceber e imaginar as coisas que é genuinamente humana, preocupada com problemas cotidianos e práticos que não são “típicos” de cientistas teóricos (ou pelo menos não inicialmente).

Se é preciso notar que Einstein não pensava e nem escrevia a partir de um mundo fora do nosso (ou seja, ele continua sendo humano mesmo sendo físico teórico), a sensibilidade do personagem do livro de Lightman tem grandes pitadas da idiossincrasia do próprio escritor. Uma das características que torna o livro divertido de se ler (um de seus grandes trunfos, eu diria) é a capacidade que Lightman tem de juntar procedimentos teóricos que Einstein empregava em seus cotejos científicos (seus famosos exercícios mentais) com os desdobramentos deles pensados em relação às pessoas comuns. Não à toa que, a cada nova simulação de tempo feita nos sonhos, são as pessoas, suas vidas e seus atos que servem de indício para perceber as mudanças, muito mais do que enunciações de cunho teórico.

Embora esse recurso seja uma das melhores estratégias do livro para estruturar e contar sua história, Lightman às vezes tropeça na utilização dos possíveis desdobramentos dele. Explico-me: a cada novo paradigma de tempo, ele usa as pessoas e suas vidas como termômetro das mudanças, o que significa que ele pode utilizar, basicamente, qualquer evento, qualquer pessoa e qualquer situação como forma de evidenciar como a mudança de tempo representa um impacto profundo na própria forma de existência. Contudo, ele acaba (indiretamente) voltando quase sempre aos mesmos exemplos, pois sempre há um casal se beijando ou fazendo amor, uma cena cotidiana de Berna (uma carroça de verduras que chega, um leiteiro em sua faina diária, um merceeiro arrumando as frutas nas gôndolas etc.), alguma cena bucólica (alguém observando um lago, ou deitado sobre a relva, ou sob uma árvore etc.). Nesse sentido, a cada novo padrão de tempo desenha-se um novo mundo, mas cujas manifestações são quase sempre as mais provincianas, exploradas mais em quantidade e mais em sua superfície.

De qualquer forma, Sonhos de Einstein permanece como um livro interessante, que carrega potencial para extrapolar o senso comum a respeito do tempo e, pelo diálogo da lógica com a especulação, permite exercitar um pressuposto muito citado (e bastante controverso) do próprio Einstein, o qual dava à imaginação um lugar privilegiado na produção do conhecimento e na investigação científica.