Gosto muito de Murilo Mendes. Talvez seja, na minha opinião, um dos poetas do país menos elogiados do que deveria ser. É claro que, em parte, digo isso porque gosto desse poeta mineiro, de Juiz de Fora, até mais do que outro famoso mineiro, Carlos Drummond de Andrade. A partir dessa afirmação, acredito que fica difícil sustentar minha predileção pelo escritor, mas tenho meus motivos, acreditem. E acredito que a reedição da obra do autor, iniciada neste ano pela Cosac Naify, pode ajudar todos a ressituar Murilo dentro do panorama literário do país.

Um dos primeiros volumes lançados não é exatamente uma reedição: trata-se da Antologia poética organizada por Júlio Castañon Guimarães e Murilo Marcondes de Moura, ambos estudiosos do autor. A antologia tem duas versões, uma comum e outra especial; nas duas, há a coletânea de poemas de todos os livros de Murilo, inclusive aqueles em língua estrangeira, bem como um anexo crítico, uma galeria de imagens e posfácios dos organizadores. A edição especial se diferencia por ressaltar o viés esteta do poeta, que colecionava obras de arte. De qualquer modo, a Antologia serve muito bem para apresentar o poeta para aqueles que mal conhecem.

Ainda assim, uma antologia só não basta. Murilo Mendes, apesar de ter publicado menos que muitos que conhecemos, tem uma obra por demais variada, realmente difícil de ser sintetizada de um só golpe. A outra coletânea sua que cheguei a conferir, O menino experimental (1979), feita por Affonso Romano de Sant’Anna, já mostrava a mesma dificuldade em representar um poeta tão diverso em tão poucas páginas. Há ainda outras, inclusive uma da próprio autor, que, porém, não se diferenciam tanto entre si, como aponta a nota final de Júlio Guimarães e Murilo de Moura.

A nova Antologia, apesar das diferenças na seleção, mantém, assim como a edição de 1979, a ausência de algumas obras de Murilo, como História do Brasil (1932), pouco representada em número de poemas em ambas as coletâneas. Sobre esse livro em especial, note-se que mesmo Patrícia Galvão, a Pagu, em sua coluna “Cor Local”, no Diário de São Paulo, em 1951, afirmava que esse esquecimento já estava estabelecido, sendo que, aparentemente, o próprio Murilo havia esquecido a obra. De fato, ele mesmo ignorou-a em sua antologia. Porém é sempre válido pensar diferente do autor. Assim, ainda vale registrar um pouco de História do Brasil do que não registrá-la de modo algum.

Essa barreira da abrangência estética da obra do autor representada é, claro, enfrentada por qualquer um que ouse compor uma antologia de poesia, porém ela parece se mostrar mais em alguns casos, como o de Murilo. Para além de “menino experimental”, próximo à estética visual e sonora da poesia de vanguarda pós-guerra, Murilo também tem seu lado surrealista, seu lado católico inveterado, seu lado modernista à Bandeira. Difícil não escolher um.

No caso da nova Antologia poética, parece ter havido a preocupação em trazer alguns poemas famosos, como “Jandira”, e outros de viés religioso e humilde, de “cotidiano”, mesmo que não saibamos definir bem a que cotidiano se refere. O dito “surrealismo” de Murilo não parece tão evidente, bem como o lado “pioneiro dos concretistas”. De qualquer modo, resta a imagem, a descrição como enfoque, característica essa que sempre fascinou João Cabral de Melo Neto em relação ao amigo poeta.

Um outro ponto positivo da atual antologia é seu percurso linear, no qual é possível ver a crescente presença do catolicismo na obra do autor, a ponto de assumir as rédeas de sua poética por um tempo, até a poeira baixar, já em Convergência. Nota-se, também, como o poeta está sempre preocupado com a realidade que o circunda, algo perceptível por referências a acontecimentos históricos e figuras culturais da época, inclusive bem mais jovens que ele, como os concretistas.

A presença das artes e da história dos locais por onde passou, como a Espanha e a Itália, também é forte em seus textos, que parecem tentar lidar com a cultura do outro a todo tempo sempre de modo a não se sentir inferior. O “tempo espanhol” é o seu tempo espanhol, sua visão de tudo o que tinha para se ver.

Outra decisão dessa antologia que pode ser notada por aquele que conhece um pouco a obra de Murilo é a concepção de poesia nela presente que não abarca obras como A idade do serrote ou até mesmo poemas que tenham algum caráter limítrofe com a prosa, mesmo que estejam presentes em livros ditos “poéticos” do autor. Existe aí uma certa valorização da poesia de versos maiores, não somente constituídos de sintagmas nominais, algo muito frequente em Convergência, por exemplo. Pessoalmente, acredito que esse aspecto, tão próximo da “análise combinatória” de João Cabral, seja essencial na obra madura do poeta, algo que o faz se distinguir muito de alguns poetas da Geração de 45.

Novamente, tudo isso que aponto é uma escolha dos organizadores, que fizeram seu trabalho de modo muito coerente, porém podemos sempre atentar aos critérios da escolha, justamente o que tentei fazer aqui. O fato é que essa antologia nos fornece muitas possibilidades – mas não todas, é claro – de acesso à poesia de Murilo, inclusive de publicação póstuma.

Há, ainda, um texto crítico seu, “A poesia e o nosso tempo”, que, apesar de certa autoestima um pouco alta demais por parte do autor, mostra muito de suas visões de poesia de determinada época de sua formação, talvez muito conforme com boa parte dos poemas recolhidos na Antologia. Também o projeto gráfico é de se admirar – algo que, de forma engraçada, era recorrente em boa parte dos livros publicados pelo autor em vida. Enfim, espero que essa antologia, bem como a reedição dos livros de Murilo, nos dê ainda muito prazer e ajude a ler mais ainda esse poeta essencial.