Não sou de escrever críticas de cinema. Esse é um fato. Não sou especialista nem entendo alguns especialistas. O fato é que gosto de ver filmes e sempre procuro assistir àqueles que mais me deixem intrigado de algum modo. Ou ainda fascinado. Um dos filmes mais recentes brasileiros que vi, Nova Dubai (2014), média-metragem de Gustavo Vinagre, é desses que estimula a gente a falar de cinema e tentar explicar por que gosta ou não gosta de algo.

Trata-se de um filme ainda em processo de estreias. Por aqui, foi exibido no Mix Brasil deste ano, do qual conseguiu uma menção honrosa, e também na Semana de Realizadores do Rio e na Janela Internacional do Recife. O mesmo no Festival de Turim deste ano, tudo em questão de um mês. É uma produção de um jovem cineasta que, desde seu curta Filme para Poeta Cego, não recebe tanta atenção, acredito eu. Algo injusto, considerando que ele não parece fazer mais do mesmo. Nova Dubai se mostra realmente que precisa ser entendido, não simplesmente registrado como mais uma estreia do ano.

É um filme, no mínimo, intenso. Não tenta ser suave na abordagem. Seguimos quase tudo a partir das ações de dois personagens, dois amigos, dois namorados em potencial, atores adultos (um deles, o próprio diretor) que parecem como que rejuvenescidos pelas roupas, pelos hábitos, pelas opiniões. Vivem em uma cidade grande tipicamente brasileira, assombrada pelo concreto que não para de crescer. Só se fala em novas construções, fruto da especulação imobiliária já tão conhecida nossa. Os personagens habitam ali, andam pelas ruas, não se fecham em ambientes privados, mas são confrontados com frequência pela instabilidade das coisas. Diante disso, da impossibilidade da inércia, reagem de um modo quase instintivo, ainda que de um instinto estranho: fazem sexo, transar, trepar e todos os sinônimos que vocês conseguirem lembrar.

Esses amigos de infância, de uma infância que parece persistir nas visões das coisas que acontecem ao seu redor, se transformam de imediato em “máquinas de sexo”, para usar uma expressão tão cara à pornografia. Essa alusão não vem ao acaso: a atuação, os diálogos, a edição, tudo nas cenas de sexo – é quase difícil definir o que não é cena de sexo no filme – nos lembra dos clichês do pornô, ao menos do pornô gay. Essa experiência puramente física que se dá de repente, quase como por ataques, no meio do filme, não é apresentada de modo negativa. É certamente cômica pela apropriação de lugares-comuns eróticos, mas parece ser uma desconstrução do gênero para outros fins, como se só o sexo pudesse nos lembrar de nossa condição como seres humanos diante de tanto material de construção.

Ao longo da narrativa, a experiência que nos faz pensar no ato do sexo, que se aproxima do pornográfico, mas, ao mesmo tempo, não é esvaziado de vida, como os atores de pornô geralmente parecem ser. Nova Dubai se apresenta a todo momento como um atentado “pornoterrorista”, como seu diretor gosta de dizer. O termo, que não deixa de ser irônico, tem sua verdade: a proposta da obra não deixa de ter uma conotação política, uma força que nos arrebata e nos impele a repensar tudo que aparece na tela. Não se trata somente de uma historieta de dois amigos ou uma sátira ao pornô ou interpelações que apresentam histórias de encontros ou de terror, como às vezes aparece no filme. O terror acontece ali, e ele não quer ser racional, explicável por uma psicanálise barata; ele é a própria matéria cinematográfica que se constrói a ferro e fogo.

nova dubai screen

No contexto do cinema dito “homossexual”, tão presente – ainda bem – nas mostras mundo afora, Nova Dubai não se encaixa bem, eu acho. Não por não ter espaço, afinal é um filme que vale a atenção que vai ganhando entre o público desse meio, mas porque não tem uma caixa para ser encaixado. Diferente de outras tantas obras que cansamos de ver em mostras ou até mesmo na internet, esse tem sua distinção e demonstra estar além da mera classificação de gênero ou orientação sexual.

É claro que a homossexualidade nele presente, ainda que quase isenta de afeição, de amor, é uma busca por sobrevivência, por afirmação da margem. Apesar disso, foge dos padrões do cinema mais banal, composto por vezes de uma história de amor à heteronormativa, ainda que seus atores sejam do mesmo sexo. O filme, no caso, foge dessa regra e, inclusive, demonstra que diante da ferocidade do capitalismo é difícil para os dois amigos se firmarem como um casal. A cena em que visitam um apartamento à venda e têm um momento peculiar com o corretor imobiliário é exemplar disso – mas acho melhor deixar que vocês mesmos vejam por quê.

Em resumo, Nova Dubai, na mesma linha da obra anterior de Gustavo Vinagre, se mostra como um filme em que a experiência do ator como terrorista em uma performance nos choca para depois nos atrair pela dúvida. É uma dúvida que ainda persiste na minha cabeça, mas não sobre a qualidade inquestionável do filme, e sim pelas questões que ele nos força a rever, a considerar como realmente urgentes. Sua estética é pela resistência da vida por meio de seus elementos mais intrínsecos, mas por vezes difíceis de se lidar, como a melancolia, a violência cotidiana, a falta de afeto à margem dos acontecimentos, margem que parece cada vez mais estreita. É um filme que se propõe como ato de resistência em tempos em que isso se faz cada vez mais necessário.