Depois do texto de Luisa Geisler sobre o tema, julguei que não havia necessidade de mais um texto sobre a hashtag. Ela foi lá, pôs os pingos nos ii, citou Elvira Vigna, a pesquisa da professora Dalcastagné e os números do site VIDA, e apresentou alguns dos “elogios” que costuma receber.

Meu favorito é “você não escreve como as outras mulheres”. “Na verdade, eu escrevo como mulher, sim. Você que é babaca mesmo”, é a resposta que tenho pronta.

Ela “ia dizer menos premiadas, mas a Marina Colasanti ganhou o Jabuti de Melhor Livro de Ficção do Ano”. Os prêmios São Paulo e o Paraná de Literatura – este dado a originais inéditos – surpreenderam pela quantidade de mulheres vencedoras, mas o questionamento continua válido: algumas autoras foram simplesmente ignoradas pelas premiações, enquanto alguns indicados cheiravam a indicação-feita-no-piloto-automático-só-porque-o-cara-já-foi-premiado-e-tem-livro-novo-na-praça.

Vencedoras do prêmio Paraná de Literatura 2014 (Romance, Poesia e Contos)
Vencedoras do prêmio Paraná de Literatura 2014 (Romance, Poesia e Contos)

Enfim, depois da Luisa ter zerado o assunto, o máximo que posso fazer é contabilizar as leituras pessoais no ano segundo a hashtag – afinal, no ano que vem, o foco será no #leiascifi20151. Pois então façamos isso. Li muito menos do que no ano anterior e, para o meu desgosto, proporcionalmente li menos mulheres: em 2013, a porcentagem foi de 40,9%; neste ano, daria pra arredondar em 30%. Mas que puxa.

Alguns livros não constam nessa porcentagem porque ainda não foram concluídos, mesmo nos casos em que só falta um pouquinho, que não li só porque não quero me despedir do livro (sim, estou falando de você, A terra inteira e o céu infinito, de Ruth Ozeki). Há alguns calhamaços nessa lista, alguns na metade, outros ainda no comecinho: Os luminares, de Eleanor Catton; A história secreta, de Donna Tartt; O pintassilgo, também de Donna Tartt; Dentes brancos, de Zadie Smith; e Os lança-chamas, de Rachel Kushner. (Alguns desses já teriam sido lidos na íntegra, não fossem, bem, calhamaços.) Há uns dois YA – Mentirosos, de Emily Lockhart, e Cartas de amor aos mortos, de Ava Dellaira –, mas esses acho que dá pra terminar em 2014 ainda.

De qualquer forma, mantenho a ideia de que, para mim, foi um pretty good year na literatura feita por mulheres: primeiro porque, dos 8 livros que resenhei para o Rascunho, 6 eram de escritoras – isso me animou pacas; e, segundo, porque quando olho para a lista abaixo – que inclui também livros em coautoria – vejo o quanto boa parte das melhores leituras e maiores surpresas do ano foram escritas por elas.

Separei a lista numas categorias doidas abaixo. Não dá para comentar tudo muito bem, senão a coluna fica gigante. Vamos a elas.

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Intermídias.

É bonito (e lúdico, apesar de eu detestar essa palavra) o diálogo entre as mulheres inventadas por Natércia Pontes em Az mulerez com as ilustrações dos artistas convidados, assim como gravuras dão força aos poemas e contos de Aline Zouvi – no Em segunda pessoa – e aos excertos de um autor clássico – em Meu Kafka, de Stefanie Harjes. O premiado Opisanie Świata, de Veronica Stigger, tem tudo para agradar aos fãs de seus livros anteriores: a experiência de ler seu romance depois de já tê-la conhecido pelos contos é de total reconhecimento; não tem como duvidar de que é um livro da mesma pessoa que escreveu Os anões. Mas vai além: os saudosos de Valêncio Xavier talvez se identifiquem com a moça e as intervenções de fotos e reproduções de outros objetos da década de 1930 no meio do livro.

Mas o meu destaque desta seção vai para Esquilos de Pavlov, de Laura Erber. Peguei para ler porque, né, estava disponível na biblioteca pública e esperava algo no estilo do conto dela para a Granta n. 9 – que achei bom e nada mais. Já me preparava para entrar no modo piloto automático – “ah, esse mundo da arte, do qual não entendo nada…” – quando o livro me pegou de jeito. Sim, é sobre um artista plástico (e nem todo mundo se interessa muito por isso) e nem sempre dá para entender a função das fotografias no livro (o que não me perturba particularmente; até gosto das respirações que dão à leitura), mas também me pareceu ser um livro que almeja dialogar com qualquer leitor, não apenas aos iniciados e entendidos do assunto. É para ser encarado sem medo e grifado sem dó, para facilitar as releituras.

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Quadrinhos.

Os gibis desta seção se dividem em duas vertentes principais. Uma delas é composta por obras belas e estranhíssimas, cujas leituras terminam com um baita ponto de interrogação: Remy, de Julia Bax (em coautoria); The Ticking, de Renée French – a edição é linda e, a história, agonizante; e Out of Hollow Water, Anna Bongiovanni. A outra é dos quadrinhos mais divertidos e de traço mais fofo: Turma da Mônica: Laços, de Lu Caffagi (em coautoria); e Toscomics, Três e Click, de Samanta Flôor – o último sendo o meu favorito da categoria.

O que foge à regra dos anteriores é o lindo Azul é a cor mais quente, Julie Maroh. Ainda não vi o filme, espero que chegue aos pés da HQ.

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teto

Não ficção.

Como não é novidade alguma de que esta não é exatamente a minha praia, confesso que me surpreendi com a quantidade de livros nessa categoria. Apenas um foi lido para a dissertação: Aids e suas metáforas, de Susan Sontag – um bom livro com todos os defeitos e qualidades de uma obra datada. Os outros li por necessidade pessoal mesmo.

Teve a coletânea deliciosamente divertida O louco de palestra e outras crônicas urbanas, de Vanessa Barbara. Teve o Amor narrando a história dos pais de Adriana Falcão em Queria ver você feliz. Teve O escolhido foi você, de Miranda July – livro que dá novas luzes ao filme O futuro e o deixa mais bonito. E, claro, teve muito feminismo: Sejamos todos feministas, de Chimamanda Ngozi Adichie, é um ebook curtinho e gratuito que me deixou com uma baita vontade de ler Americanah; Um teto todo seu, por sua vez, mostra uma Virginia Woolf surpreendentemente leve (e atual!) em seus apontamentos sobre as mulheres e a ficção.

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Literatura estrangeira.

Para mim, não há um elo fraco sequer nesta seção. Depois de ler Kitchen, não consegui entender por que não temos outros livros de Banana Yoshimoto traduzidos por aqui. A elegância do ouriço, de Muriel Barbery, e O estranho mundo de Zofia, de Kelly Link, eram indicações de um dos colunistas do Posfácio que se tornou, com isso, uma das pessoas em cujo gosto posso confiar. Sabendo disso, fui atrás de Um, dois e já, de Inés Bortagaray, só porque tinha visto na estante dele e, pimba!, mais um acerto (involuntário) do rapaz. Por fim, Nadando de volta para casa, de Deborah Levy, é o livro de verão que você estava procurando – você estava?

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suite

Ali Smith.

Não tem para ninguém: a melhor leitura do ano foi dessa autora escocesa. Essa não foi exatamente uma surpresa: li Hotel Mundo no ano passado então já sabia do que ela era capaz. Ainda que eu não tenha pirado loucamente com alguns contos de A primeira pessoa – se bem que, verdade seja dito, mesmo os que curti menos tinham sempre algo muito bom –, esse foi o ano da Ali Smith. Garota encontra garoto é uma novela linda, divertida, inventiva e queer, mas a menina dos meus olhos – e O LIVRO DO ANO para este que vos fala – é o Suíte em quatro movimentos. Pedi um rilke shake e veio algo de Hamlet: duvide do brilho das estrelas, duvide do perfume de uma flor, duvide de todas as verdades, mas nunca duvide da minha paixão por esse livro – basta ler meu review de cabeça quente no Goodreads.

Resta agora o Por acaso e todo o resto que ainda não foi traduzido no Brasil. Quero ver a geral torcendo para que How To Be Both chegue logo ao país.

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Poesia.

Essa é uma categoria em que deixei muito a desejar. Para além duma seleção de Poemas de Sylvia Plath (da qual gostei, mesmo não me envolvendo muito com – em outras palavras: entendendo – quase a metade deles), só li Angélica Freitas. Finalmente encarei o Rilke Shake (estava esgotado, mas voltou às livrarias) e achei gostoso demais; o poema que dá título ao livro está entre as melhores surpresas do ano – “nada bate um rilke shake / no quesito anti-heartache”. E, como não podia deixar de ser, devo ter relido Um útero é do tamanho de um punho umas cinco ou seis vezes.

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All about those Chicklits and YAs.

Esperei por muito tempo que Eleanor & Park fosse lançado no Brasil – todo mundo dizia que, depois de As vantagens de ser invisível, essa era uma leitura obrigatória. Depois que finalmente se lançou o livro, eu fui lá e… li no original. E é isso tudo mesmo, viu? Bom pacas. O outro YA que cito aqui – Recomeço, de Cat Patrick – pode não ser tão bom quanto E&P, mas foi um bom passatempo, com doses certeiras de romance e suspense.

Em 2014, também fui muito bem servido de chicklits: já escrevi sobre A vida do livreiro A.J. Fikry, de Gabrielle Zevin, um desses impossíveis de não sair indicando pros amigos que gostam muito de ler. Outro livro que merecia mais atenção é O segredo do meu marido, de Liane Moriarty: a sinopse não dá conta de mostrar que o livro conta a história não de uma, mas de três mulheres – e que o título tem significados diferentes na vida de cada uma delas. Taí um livro que passa fácil e belamente no Teste Bechdel.

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por escrito

Literatura Brasileira.

Resumindo: só livraço. Se não gostei tanto d’O inventário das coisas ausentes foi porque comparei com Paisagem com dromedário, também lido em 2014: Carola Saavedra sabe das coisas. Já falei, vou repetir: adorei o Luzes de emergência se acenderão automaticamente, de Luisa Geisler. Enquanto não recebia o novo romance de Elvira Vigna, fui ler uma indicação dela: em Quarenta dias, Maria Valéria Rezende arrebenta com sua Alice nordestina – e em duas páginas consegue ser melhor do que um livreco inteiro, um original premiado a ser lançado pela Iluminuras. E, no final das contas, Por escrito chegou e foi direto para a lista de melhores leituras do ano do Ornitorrinco.

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olivia

Infantis

Deixei para o final um dos meus maiores guilty pleasures. Sobre Mary Poppins, de P.L. Travers: sou mais o filme. Teve Pó de Lua, de Clarice Freire, mas é melhor falar logo do próximo. Uma chapeuzinho em vermelho, de Marjolaine Leray, é rapidinho e mostra uma criança que não precisa da ajuda de lenhador algum. Deixei o Pum escaparO coiso estranho, ambos de Blandina Franco (em coautoria), são excelentes: o terceiro volume da saga do cachorrinho Pum retoma a qualidade do livro original, com o mesmo nível de trocadilhos inteligentes; a história do coiso estranho é uma linda brincadeira com palavras pouco conhecidas. Mas a cerejinha do bolo é Olívia tem dois papais, de Márcia Leite: virou favorito.

  1. Para combinar com o ano, também passarei os primeiros 15 livros do ano pelo Teste Bechdel, atendendo ao pedido do editor do site, para um post futuro.