Basta seguir duas ou três editoras no instagram – ou ter amigos para os quais sua principal característica é “ser um leitor” – e pronto: você está prestes a aprender compulsoriamente novas palavras e expressões que farão parte do seu dia a dia. As pilhas de romances recém-adquiridos são justificadas pelo tsundonku crônico e as pessoas passam a ser elogiadas de forma inusitada (“Miga, você está tão livro hoje!”). Por vezes, uma imagem resume toda a aflição de não ter com quem comentar uma leitura.
Foi numa dessas que descobri que havia algo chamado de ressaca literária. O termo me interessou de imediato, mas sua definição não era exatamente a que eu esperava. Ei-la: “incapacidade de começar um livro novo porque você continua vivendo no mundo do livro anterior”.
Até entendo o apelo da expressão: suponho que eu tenha me tornado monotemático após livros como Garota exemplar (Gillian Flynn), Cadê você, Bernadette? (Maria Sempre), Nada a dizer (Elvira Vigna), A visita cruel do tempo (Jennifer Egan), Noites de alface (Vanessa Barbara) e Suíte em quatro movimentos (Ali Smith). Mas isso, creio, nunca me impediu de iniciar uma nova leitura – ou cinco. Digo: terminei de ler Cloud Atlas (David Mitchell), um dos livros que mais me embasbacou nos últimos anos, e logo em seguida comecei Quiçá (Luisa Geisler).
Contudo, mesmo que não seja por esse motivo, a ressaca literária bate – e forte. Nenhum livro parece minimamente interessante e eu me pergunto se realmente gosto disso ou se é só charminho (“olha lá o moço que sempre está com um livro”) ou uma forma de não interagir com as pessoas ao redor.
Às vezes é fácil identificar a razão da ressaca: houve um período em que eu julgava a coisa mais interessante do mundo um escritor como protagonista de um romance. Depois de enjoar, foi fácil abandonar esse tipo de livro. Às vezes a falta de livros legais é apenas um reflexo do piloto automático em minhas escolhas. Por exemplo, quando me dei a oportunidade de ler alguém desconhecido, de conferir uma coletânea de poemas ou de pegar emprestado uma obra escrita por uma mulher, percebi que ainda era capaz de ser surpreendido.
Mas às vezes não tem uma razão relacionada ao mundo literário e quanto a isso não há o que fazer. Normalmente, um bom livro salva o ânimo e volto ao ritmo normal – mais ou menos como um amigo que me confessou andar meio desanimado nas leituras até devorar o Sérgio Y. vai à América (Alexandre Vidal Porto) que lhe dei.
Não parece ser o caso atual (esqueci-me de dizer que, sim, estou no meio de uma ressaca daquelas), pois o desânimo persiste mesmo tendo acabado de ler obras que indicaria para qualquer pessoa: Operação impensável (Vanessa Barbara), O dia em que troquei meu pai por dois peixinhos (Neil Gaiman), Sem fôlego (Brian Selznick) e Rani e o sino da divisão (Jim Anotsu). É como se a ressaca desse uma pausa apenas durante tais leituras e depois voltasse com força total.
Pedi numa rede social algumas dicas de como se recuperar dessa fase – tentei ser abstrato, mas as pessoas sacaram que não era “um amigo meu hipotético” que estava nessa. Simone recomendou reler algo de que gosto muito – se ela pegou mais uma vez o Neuromancer (William Gibson), eu deveria ir de A máquina (Adriana Falcão). Rafael e Thiago indicaram hqs ou leituras mais leves, como o novo do Chico Buarque. Raquel e Fernanda me aconselharam a ler contos. Bruno e Wolney, por sua vez, advertiram que bom mesmo era pular para outras mídias: ir mais ao cinema e ouvir Taylor Swift na rua talvez me ajudasse.
Ainda não testei nenhuma das dicas, mas, no mesmo espírito dos posts sobre tsundoku e como chamar as pessoas de “livro”, vim dizer que não há problema algum em ter ressaca literária – mesmo sem romance genial na jogada. Só porque não tem imagem fofinha com letra bonita no instagram de editora alguma, isso não significa que tal ressaca não exista. Mesmo que você goste bastante de ler e que “ser leitor” meio que o defina como pessoa, você pode enjoar um pouco disso e ficar bem de boinha sem fazê-lo – sem remorso. Você não está sozinho nem traindo ninguém.
E vê se aproveita essa ressaca1!
- A foto é de uma galera legal das famosas casas da leitura de Curitiba. No dia em que tiramos a foto, eu já estava de ressaca. E foi maravilhoso encontrá-los sem precisarmos comentar o que estávamos lendo. Praticamente uma mini-Flip. ↩
Lembrei dessa coluna https://posfacio.com.br/2012/10/17/gatos-empoleirados-rehab/
É, essa é a ressaca literária tradicional, Piposo. 🙂
Engraçado é que
1. acho que nunca tive isso, não. sempre me forço a começar outro livro de uma vez, mesmo com outro na cabeça. e, se está arrastado ou lento, coloco a culpa no próprio livro ou em mim mesmo, mas nunca no que li anteriormente.
2. já tinha visto esse termo “ressaca literária” em alguns blogs de nicho e sempre associava a outros motivos também. não sabia que era porque o livro anterior era bom demais.
1. Também gostaria de nunca ter tido.
2. Também estranhei que a definição seja essa.
Ressaca literária dói! Tive uma fortíssima em 2014, passei muito tempo não tendo prazer em ler livro nenhum, demorando muito pra lê-los. Mas continuei comprando e lendo até que passou, e passou quando li um brasileiro sobre um menino que descobre a sexualidade dele, acho que já falei sobre ele com você, Tuca. 🙂
Ai, Ruan, será que eu lembro? Vou chutar que é o “Menino de ouro” (não sei direito a sinopse desse, mas suspeito que tenha algo assim). Se não for, indica de novo?
A minha tá passando.
Tuca,
Também já me senti assim algumas vezes. Parece que nenhum livro será bom como aquele último…
Também já senti isso com relação á filmes, rsrsrss.
Mas sempre me obrigo a começar outro na sequência.. e se não embala, desisto dele.
Senti isso assim como você com Garota exemplar (Gillian Flynn), Cadê você, Bernadette? (Maria Semple) e A visita cruel do tempo (Jennifer Egan), mas o bom é que sempre aparece outros inacreditáveis!
O bom é quando vc sente isso e é uma série… Amei “Ramsés”, “As brumas de Avalon” e a série “Millenium”. E nessas três achei todos os livros da série incríveis.
Outra coisa ruim é quando você acha um autor incrível e espera ansiosamente por outro livro dele… e aí, se decepciona.
A Anica fez um post desse falando da Maria Semple… Me senti assim com Murakami. (não achei 1Q84 tão bom como outros livros dele) e recentemente com “A festa da insignificância” do Kundera (já havia lido “A insustentável leveza do ser” e “A brincadeira” e achado incríveis…).
Desculpe o longo relato!
Bjinhos!
Nossa….. quantos erros de português. Escrevi correndo. Foi mal… rsrsrs
Não ligue pra isso, moça. 😉
Pior coisa isso de ler algo muito bom e se decepcionar depois. Aconteceu um pouco com a Jenninfer Egan: depois foram publicados os anteriores dela e eu fui gostando cada vez menos. A visita cruel do tempo continua entre meus favoritos, no entanto.
Ta difícil conseguir embalar. 🙁 Mas tô melhorando.
Beijos! (E adoro longos relatos. Basta ver algumas das minhas colunas.)
Também tô nessa! Devorei o “Eu, robô” (que desejava há anos) e não consegui voltar para “Crime e castigo” e “Terra sonâmbula” (que estava adorando).
Meu skoob tá lá, paradão!
Dá aqui um abraço! <3
O meu começou a se mexer, mas nada de muito fôlego ainda.
(Você é sempre muito bem-vinda por aqui, adoro que você esteja sempre presente.) 🙂
Sempre é muito bom ler suas aventuras apaixonadas pelo mundo dos livros, Tuca. A ressaca acontece e, logo em seguida, o vício retorna. Coisa de gente apaixonada por livros. rs Abraços.
Brigadão, moço. Tô melhorando e já já volto com todo o gás (uma vez apaixonado por livros, sempre apaixonado). Abração!
Ressaca literária: tá aí uma coisa que não sinto tem um tempo e nem tenho saudades de sentir!
Quando não estou lendo nada, fico me sentindo péssima. Não estou acostumada a ficar sem ler nada por muito tempo. Desde quando comecei minha jornada no mundo dos livros, com pouco menos de 4 anos, é como se me faltasse alguma coisa quando não tenho algo para ler.
Sou do tipo de pessoa obssessiva: ainda não terminei de ler Graça Infinita (participando do Verão Infinito ativamente, super ansiosa a cada segunda-feira), tenho vários livros novos em casa esperando para serem lidos mas meu carrinho no site da livraria Cultura está abarrotado com livros que quero comprar. Só a ideia de ficar sem ter o que ler já me paralisa.
Não conhecia a palavra tsundonku, agora que descobri o que significa me identifiquei, e muito!
Nos últimos tempos tenho estado nesse frenesi de acumular livros para ler, talvez por saber que daqui a pouco, trabalhando e quando minhas aulas na faculdade voltarem eu vou acabar ficando sem tempo. Não sei. Só sei que é uma sensação ambígua de culpa por não ler tudo o que tenho pra ler e uma sensação de querer comprar tudo quanto é livro que vejo pela frente!
“Olha lá o moço que sempre está com um livro” é uma frase que me define (trocando apenas o gênero da palavra “moço”). Senti uma ressaca literária fortíssima no ano passado, não conseguia terminar nada que começava, nada me interessava. E do mesmo jeito que chegou, partiu sem que eu me desse conta. E ao invés de tentar empurrar livros goela abaixo, esperei passar sem me culpar tanto. Um dia, na biblioteca da faculdade percebi que “the dog days are over”, ou melhor, “the ‘ressaca literária ‘days were over”.
Acho que muito se deve à minha ansiedade: quero ler tudo e quero ler tudo ao mesmo tempo, como se o mundo fosse acabar.
E realmente, a aflição de não ter com quem comentar a leitura é uma das piores coisas do mundo. E eu passo muito por isso. Não costumo ler o que está em alta, aquilo que todo mundo lê. E não é nem pela “vontade de ser diferente”, é porque realmente não costuma me agradar. Já criei preconceito mesmo. Meus lugares preferidos no mundo são sebos, gosto de ler coisa velha, gosto da alergia que o mofo e a poeira me dão. Estou lendo Graça Infinita e nenhum conhecido meu sequer tinha ouvido falar do livro antes que eu ficasse falando dele ou tivesse me visto com ele à tiracolo. E o pior é que ele é daqueles que te faz ficar pensando sobre, que te faz querer falar sobre. O Verão Infinito aqui no Posfácio até que me ajuda um pouco, mas não é o suficiente. Nunca é.
Uma das melhores curas pra ressaca literária é encontrar um leitor, seja amigo ou não, e ficar horas falando sobre boas leituras, compartilhando experiências. Acho que isso anima qualquer um.