Ano passado vi um ótimo filme da HBO feito para a televisão, The Normal Heart, que denunciava a proposital passividade do governo estadunidense, na administração Reagan, diante da epidemia de AIDS dos anos 80. À certa altura, o protagonista vivido por Mark Ruffalo, um gay “no armário”, antissocial e insolidário, tem um ataque de fúria diante da morte de tantos amigos, e lembrando homossexuais do passado que sofreram abusos e constrangimentos de uma homofobia normatizada até pouco tempo, o personagem dispara: “Foi um gay o responsável por vencer a II Guerra Mundial!”.

Àquela época não sabia quem havia sido Alan Turing (1912-1954), o “gay que venceu a II Guerra” a quem Mark se referia, mas meu lapso está escusado porque seu nome fora apagado da “história oficial” por cerca de cinquenta anos e só recentemente é que esse gênio histórico, um dos pioneiros das ciências da computação e peça fundamental na vitória dos Aliados sobre a Alemanha nazista, teve sua biografia revisada e seu lugar histórico merecidamente reconhecido.

O Jogo da Imitação, de Mortem Tyldum, com Benedict Cumberbatch, tem papel relevante em encenar para o grande público a biografia de Turing que, à serviço secreto do governo britânico, desenvolveu uma máquina capaz de quebrar a criptografia da Enigma, na época a mais moderna e segura máquina de transmissão de dados do mundo, em posse dos alemães. Turing passou anos desenvolvendo um aparato que conseguisse “pensar” em seus próprios termos. Aparato este que hoje chamamos de computador e que uma em cada seis pessoas no mundo possuem.

Alan Turing na vida real
Alan Turing na vida real

O drama histórico é tecnicamente caprichado, desde sua fotografia, figurinos, até a trilha sonora de Alexandre Desplat (oito vezes indicado ao Oscar, este ano duplamente, por O Jogo da Imitação e por O Grande Hotel Budapeste, de Wes Wanderson). A grande falha, contudo, está nas cenas de guerra; embora rápidas, pontilhando brevemente a narrativa, são terrivelmente mal feitas e pobres. Quanto ao enredo, tem bom ritmo e cativa por sua trama não linear, que passeia entre o futuro melancólico do protagonista, sua traumática infância num conservatório religioso e o ápice de sua carreira, durante a Grande Guerra.

Ademais, o ponto central dessa história é mesmo Alan Turing, em interpretação pontual de Benedict Cumberbacht, o novo queridinho de Hollywood, ator da bem sucedida série Sherlock. Com trejeitos e maneirismos bem pensados, gagueira nervosa e uma personalidade insuportável, seu personagem tem um pouco do John Nash de Russell Crowe em Uma Mente Brilhante (2001). Mesmo o roteiro não sendo tão inventivo quanto o do filme de Ron Howard, aqui há também espaço para surpresas no desenrolar e na progressão continuada da trama.

A água morna da história está em Keira Knightley, cuja personagem poderia ser adorável se não fosse… bem, Keira Knightley, uma atriz que insiste em entregar mais do mesmo, plantada em sua zona de conforto. Ainda insistem em tratá-la como uma boa atriz, e esse ano, disparatadamente, está entre as indicadas de Melhor Coadjuvante por este papel (que fosse então por Mesmo se Nada der Certo, adorável comédia romântica musicada, protagonizada por ela ao lado de Mark Ruffalo).

Voltando ao filme, pelo triste fim de seu protagonista (fim que obviamente não contarei, mas já subentende-se que motivado por sua orientação sexual), essa obra tem uma certa aura de reparação histórica, mais ou menos como 12 Anos de Escravidão (2014), que trouxe à tona uma biografia de luta e sujeição de suma importância histórica que também passara anos esquecida. Da mesma forma, O Jogo da Imitação torna-se um filme de muitas camadas e com muitas implicações, sendo, sobretudo, um duplo drama, tanto histórico, quanto pessoal.

O maior valor desse filme encontra-se justamente aí, ao lançar luz sobre um nome importantíssimo, que não poderia continuar esquecido. À parte dos exagerados elogios e indicações a prêmios (facilitados pelo apoio dos irmãos todo-poderosos da Weistein Co.), trata-se sem dúvida de um intrigante filme de guerra, quase um thriller psicológico, misturado com drama histórico, que cumpre sua razão de ser, entretém e informa.