A ressaca literária está próxima do fim, já deu para perceber. Parte disso se deu com a consciência de que o problema não se restringe à relação com os livros – Simone me mostrou o link de um texto parecido com o meu, mas bem mais sincero sobre algumas questões. Outra parte é devida à retomada de um ritmo minimamente satisfatório de leitura – Middlesex, de Jeffrey Eugenides, é a paixão da vez.

Se descobrir novas (e boas) leituras é parte importante para a cura, nada melhor do que pedir dicas aos amigos. Como vocês já conferiram as melhores leituras de alguns escritores amigos do Posfácio, chegou a hora de perguntar quais foram as de alguns dos membros de nossa equipe. Transcrevo aqui as respostas deles e, no final, pus as minhas.

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Lucas Deschain

O critério adotado pra eleger a(s) melhor(es) leitura(s) de 2014, no meu caso, parece ter sido o de arrebatamento mórbido, mas acho que está valendo (não irei hierarquizá-las, somente ordená-las numericamente para facilitar):

1. A queda, de Camus, por ser um daqueles livros que te dão engulhos e que te deixam pensativo e sorumbático por vários dias, a refletir sobre a futilidade de certas coisas e sobre quão solitários e sombrios somos todos.

2. Crime e castigo, de Dostoiévski, por tocar tão fundo em certas chagas e, a despeito do integral brilhantismo da obra, por uma passagem específica, quando Raskólnikov curva-se diante de uma mulher desesperada e diz que se curva não perante ela, mas perante o sofrimento humano (é de arrancar lágrimas!).

3. Viagem ao fim da noite, de Louis-Ferdinand Céline, por ser subversivo, anárquico, frenético, entorpecente em sua linguagem, nas situações que compõem a trama, pelo protagonista, pelo retrato sensível e cruento (por paradoxal que pareça) que faz sobre o homem, não poupando nunca, em nada.

A queda, Albert CamusSimone Vollbrecht

Eu abandonei mais livros do que terminei de ler ano passado, então quase todos os marcados como lidos no meu Goodreads são excelentes. Meu top 5, então, foi o seguinte:

1) Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez. Se você nunca leu, leia. Não me importa se está fazendo algo mais importante. É um dos livros mais fantásticos que já li (em vários sentidos). A leitura é deliciosa e você vai odiar um pouquinho o autor enquanto a vida segue, os anos passam, as gerações mudam e os personagens vão morrendo (mas sendo substituídos por outros igualmente interessantes). Alguns livros têm trechos lindos isolados. Esse é composto inteiramente por passagens maravilhosas.

Capa Cem Anos de Solidão Nova DS.ai

2) The Peripheral – William Gibson. Eu sou tiete assumida do Gibson, isso jamais negarei. Mas, para quem estava cansado dele escrever no presente (com a trilogia do Reconhecimento de padrões, que é muito boa), ele voltou para o futuro. Vai reclamar de ter futuro? Vai ter dois momentos de futuro isolados e se continuar achando ruim vai ter mais! Para variar, as previsões dele para a humanidade não são muito otimistas mas ainda assim são fantásticas.

The-Peripheral

3) Já que eu confessei ser tiete do Gibson, não faz sentido não admitir que sou viciada em ficção e adoro a Aleph, então vai um combo: Androides sonham com ovelhas elétricas? – Philip K Dick, Encontro com Rama – Arthur C Clarke e Fim da infância, também do Clarke. O primeiro foi a base para Blade Runner (misturar FC e Harrison Ford nunca é ruim), e é um dos melhores livros de Dick. Os outros dois confirmam que Arthur C. Clarke é genial (e 2001 completa a tríade de bons livros dele, sem ser trilogia e sem ligação entre os mesmos). Encontro com Rama impressiona pelo cuidado nas descrições das naves e planetas, enquanto Fim da infância tem a Terra sendo ocupada por uma raça superior benévola e as consequências deste encontro.

Com esse top 5 você já garante algumas leituras interessantes para 2015 🙂

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Para mim 2014 foi um ano de contos, muitos contos. Tentei me manter atualizado com o que era lançado nas revistas americanas de ficção especulativa e no final foram mais de quinhentos contos lidos. Alguns dos meus favoritos foram “The Earth & Everything Under”, de K. M. Ferebee, “Combustion Hour”, de Yoon Ha Lee, e “The Long Haul”, de Ken Liu. Todos eles disponíveis gratuitamente na rede.

E o melhor livro de 2014 também foi de contos: Ódio, amizade, namoro, amor, casamento, da Alice Munro. Não acho que minha resenha tenha sido suficiente para dizer o quanto essa mulher é maravilhosa. Não confiem em nada do que eu digo, simplesmente leiam Alice Munro.
Odio-amizade-namoro-amor-casamento-Alice-Munro

Isadora Sinay

Eu costumo ser uma fã de livros longos, daqueles que você passa meses carregando de um lado pro outro, construindo um relacionamento, quebrando a lombada. Mas, curiosamente, 2014 foi um ano em que as melhores leituras foram brevíssimas.

Meu melhor livro do ano foi, sem a competição chegar nem perto, Diário da queda, do Michel Laub. O livro foi tão forte para mim, tão significativo, que doze meses e uma resenha depois, eu ainda recomendo para todo mundo e estou, de certa forma, tentando exorcizá-lo.

diario da queda

Em segundo lugar veio O sentido de um fim, do Julian Barnes. Que lembra Diário da queda de certa forma, ao falar de memória, de perdas e daquilo com que precisamos fazer as pazes.

O sentido de um fim

Tuca

Ano passado eu caí na besteira de citar todas as leituras que considerei muito boas e, no final das contas, não dei destaque a nenhuma – mesmo que, no final, tenha explicitado quais seriam os sete livros obrigatórios de 2013. Como responde o Flecha para a mãe, a Mulher Elástico (Senhora Incrível): “Se todo mundo é especial, então ninguém é.” (O lado bom de ter colaborado para as melhores leituras do Ornitorrinco é que pude já citar três por lá.)

Desde que comecei a ler Suíte em quatro movimentos, último romance de Ali Smith que a Companhia das Letras publicou, percebi que estava diante de um vencedor. Nele, um dos convidados para o jantar se tranca num dos quartos dos anfitriões e, mudo, dele não sai por horas, dias, meses. A premissa kafkiana é abordada como plano de fundo na vida de quatro personagens: uma moça que não o vê desde a adolescência, o homem que o levou como acompanhante ao jantar, uma velha em sua cama de hospital e uma menina inteligentíssima para a sua idade – quem é coadjuvante de quem? Os jogos de linguagem (exuberantes), as referências literárias e musicais (sempre elegantes e nada excessivas), o tom político (acertadíssimo), tudo corrobora a genialidade da autora escocesa. Uma leitura obrigatória e que merece mais atenção.

suite

Eu tinha decidido que Ali bastava, mas foi então que, no finalzinho do ano, Vanessa Barbara resolve ganhar o Prêmio Paraná de Literatura (Categoria Romance) – depois de um 2013 decepcionante, o prêmio voltou com tudo. Operação Impensável segue a tradição de Sergio Y. vai à América (Alexandre Vidal Porto): quanto menos se sabe a respeito antes da leitura, maior o impacto. Nela, uma Garota exemplar tenta descobrir The Husband’s Secret (há algum segredo mesmo ou isso é coisa da cabeça dela?) uma vez que o rapaz não tem Nada a dizer. Se você conhece esses livros, já deve desconfiar que não há reação previsível a certas revelações – narradoras e leitores, ninguém sabe como reagir. Aguardemos ansiosamente que uma editora lance logo o romance – por enquanto há apenas uma tiragem limitada, distribuída apenas para jornalistas, bibliotecas públicas e pessoas presentes na cerimônia de premiação.

operacao-impensavel (1)