Semana passada resolvi jantar sozinho. Não cogitei chamar ninguém, de verdade. Há mais de cinco anos eu não realizava tal ritual, se é que posso chamar assim, e essa tem sido uma das escolhas mais acertadas dos últimos meses. Sei que parece uma espécie de isolamento do mundo. Longe disso. É uma forma que encontrei para fazer as pazes com meus próprios pensamentos – o que é irônico pois cada vez mais ouço o quanto tenho uma contração no rosto que denuncia quando penso demais e, pior, tenho essa péssima mania de perder o fio da meada conversando com pessoas e sozinho também.
Escolhi um bistrô perto de casa com luz baixa, geralmente bastante movimentado, e pedi o prato de sempre, o vinho de sempre e me pus a permanecer em silêncio e tentei evitar ao máximo observar as pessoas fixamente – jamais negarei o quanto eu gosto de fazer isso, mas talvez seja um assunto para outro dia. Passei por diversas fases de inanição, de olhar fixamente para um ponto nada interessante até fazer os movimentos inconscientes de mexer na taça para ver o vinho “chorar” ou cutucar meu garfo sem uso até então. Em outros tempos eu levaria um livro para me acompanhar e me distrair antes do prato chegar. Dessa vez foi diferente, eu não queria uma distração, um disfarce para mostrar que gostaria de estar sozinho.
Entre uma golada e outra, lembrei de uma fala do Louis CK durante uma entrevista para o Conan O’Brien. Ele fala especificamente do medo das pessoas de ficarem sozinhas e de como os telefones espertos vieram para sugar esse sentimento. Todo mundo puxa o celular antes de começar a se sentir triste, não por falta de notificações ou mensagens não respondidas, mas por terem o medo, tão antigo e interno, de estarem sozinhas com seus pensamentos. Estarem sozinhas consigo mesmas, crianças crescidas sem o amparo dos pais no meio da noite. Quando estamos sozinhos começamos a questionar a nós mesmos, nossas atitudes, e isso cria um temor maior do que é.
Isso pode ser observado até mesmo em grupos de amigos, quando o assunto cessa e cada um pega seu telefone para checar notificações. A conversa talvez seja retomada por uma foto no Instagram, um comentário de Facebook e por aí vai. Contudo, isso foi uma procura de refúgio na tela de LED, uma vibração que sequer ocorreu.
Como bem observou Antonio Prata numa coluna no final de 2014, há uma síndrome dos tempos modernos, segundo a qual muitos de nós, usuários de iPhones, Samsungs, Windows Phones e demais, sente a perna tremer com a vibração do telefone, tal vibração que jamais ocorreu. Ou qual seria a necessidade de manter o celular tão perto da cabeceira quando não podemos colocar no bolso de nossos pijamas?
Jamais vou declarar “inocente, meritíssimo” nessas situações. Quem sai comigo me vê regularmente no celular checando e-mail, Whatsapp e quaisquer outros aplicativos de comunicação. Essa tentativa de voo solo, sem ninguém e sem celular, tem me deixado mais calmo. Explico: o excesso de informações, o afogamento de notificações e demais acessos ao qual o telefone me permite não me deixa sossegar. Cria uma certa ansiedade, curada momentaneamente nessa muleta tecnológica e me afasta de pensamentos realmente importantes: o de pensar em nada importante. Porque o nada já é bem grande.
Meu Deus, Pips, meu Deus! De todos os textos maravilhosos que você já escreveu, este é o meu preferido. Eu queria fazer um comentário super elaborado, aqui, mas tô ouvindo Tears Dry On Their Own, o que significa que tenho de atender o celular. Longe de mim deixar o celular esperando enquanto eu confronto meus pensamentos. Jamais!
Obrigado, Cléo. Você é sempre muito gentil. E atende o telefone, mas não fique zanzando com ele só para ter algo para encarar além dos pensamentos.
“Quando estamos sozinhos começamos a questionar a nós mesmos, nossas atitudes, e isso cria um temor maior do que é.”
Confesso que o meu maior pânico é quando tenho que passar roupa. Passar roupa me faz ficar quieta demais, me deixando concentrada demais em algo repetitivo, o que acaba sendo o gatilho pra minha mente confrontar e questionar a mim mesmo.
Quanto maior a cadeira , menos confrontos. Minha alma já é bastante questionadora.
Todas as almas são questionadoras. Quem tem coragem de questionar a si mesmo?
Belo texto seu (mais um dos bons). Recordou-me de uma tarde em que me sentei em um banco, tipo os de praça, ao lado de uma amiga, numa varanda que era utilizada como refúgio para os fumantes presentes na casa na ocasião de uma festa repleta de gente. Nem ela, nem eu éramos/são fumantes “ativos”, nos sentamos lá por alguns minutos e ficamos em silêncio, estava bom assim, fim tarde e o céu começava a se escurecer com cores belas. A cena começou a chamar a atenção de algumas pessoas que se aproximavam, nos viam lá sentados. Uns chegavam perguntando se tínhamos fogo, ‘um careta para descolar’, tentavam puxar papo, e nada. Outros apareciam ora fumando, ora em meio a alguma ligação telefônica, e geralmente pediam desculpas (?!) e saiam. Depois de algum tempo ela olhou para mim e começamos a conversar em ritmo calmo sobre o ocorrido, imaginando o que poderia ter passado pela cabeça de quem nos viu ali quietos. Criamos um sem número de estórias, demos risadas, e um dos temas foi justo o fato de não termos em nenhum instante mexido em nossos celulares espertos.
Grande coincidência, Rogério. Aconteceu comigo algo parecido há cincos anos (mesmo tempo sem jantar sozinho). Uma amiga e eu ficamos num banco sentados a tarde inteira conversando leves e calmos.
Eu me considero uma pessoa que gosta de estar sozinho também, mas involuntariamente (ou não) pego o celular e simplesmente olho para ele esperando algo, sei lá. É como se houvesse uma necessidade de estar interligado (mas eu não quero), enfim. Grande texto!
Obrigado, Matheus! Entendo essa vontade de estar interligado, mas cada vez mais a considero desnecessária e totalmente vampiresca.
Olá, Pips. Não se sinta sozinho, ou se sinta sozinho se for te fazer melhor, mas eu também estou em tempos de querer constantemente pensar em nada, que já é bem grande.
Não aguento mais a cachoeira de informações, notificações e anseio por notificações, este que por vezes é pior do que os supracitados. Toda vez que fico sem meu cel durante algumas horas, a vida rende mais, vejo o que eu costumo não perceber e o melhor de tudo, consigo ficar calmo e sem pensar ou fazer nada, isso é ótimo, é um dedo do meio inserido num coração de like do instagram direcionado a tecnologia.
Eu venho querendo estar sozinho e também me sentir sozinho, mas como você disse, isso está longe de ser um tipo de exclusão no quarto escuro, é apenas dar tempo para que as coisas aconteçam e você não fique sabendo primeiro que todo mundo, – a capacitade de se surpreender também é elevada, quando esse tipo de comportamento se torna um hábito – dar tempo para perder informações.
Cada vez mais, vejo a importância de me manter desinformado regularmente e estar sozinho às vezes.
Gustavo, é opção minha mesmo. Espero que você consiga se livrar da cachoeira.
E quanto a ser o primeiro a saber das coisas, acho isso bem desnecessário. As pessoas dão valor para coisas efêmeras demais, nessa era de informações efêmeras.
No Brasil existem mais celulares do que pessoas. No mundo existem 8 bilhões de aparelhos. Pesquisas relacionadas ao uso da tecnologia móvel e sentimentos estão sendo desenvolvidas. Alguns pesquisadores chamam de tecnologias afetivas outros de emoções eletrônicas. Donna Haraway, no Manifesto Ciborgue, coloca que o homem já perdeu o juízo de valor sobre a máquina pois tornou-se ela. McLuhan já apontava as tecnologias como extensões do corpo humano. A convergência de meios que o celular proporciona pode ser considerada uma revolução: foto, imagem, sons, app em um único aparelho. É o objeto de comunicação de maior difusão da história em período tão curto de tempo. Para jovens que usam incessantemente o telefone é uma forma de estar visível (mundo virtual) perante sua classe e sua incapacidade de tomada de decisões em instâncias políticas ou sociais. Assim surgem movimentos da cultura popular juvenil como, por exemplo, os rolezinhos. Outras significações, é claro, pode ser atribuída as pessoas de classe média e alta, outra faixa etária e sua conectividade. São “outros conteúdos, outras informações, outras pessoas, outras contatos, outras urgências” que motivam o uso muitas vezes abusivo de tecnologias móveis. Larry Rosen ao escrever iDisorder revela como esses aparelhos causam uma desorganização pessoal quando muitas vezes são vistos como um organizador perceptivo do cotidiano. Questões de gênero podem ser observadas empiricamente e diariamente pelas pessoas que usam o celular ao reafirmar sua masculinidade em sua lista de contatos, ou na estética do aparelho. As relações do espaço público e privado são facilmente ressignificadas, o que é íntimo e privado? Bom, não vou me alongar aqui. Ótimo texto, ajuda a refletir em como esses dispositivos estão cada vez mais presente em nossas vidas.