Essa semana começamos efetivamente a discussão sobre o livro. Para quem ainda não começou a leitura, não há motivos para pânico. Vamos passar o mês inteiro com ele, o cronograma dá tempo mais do que suficiente para nos alcançar (e possivelmente até ultrapassar). Vamos seguir a divisão abaixo:

Semana 1: Introdução sobre o autor
Semana 2 – 30/03/2015: páginas 1 a 73
Semana 3 – 06/04/2015: páginas 74 a 150
Semana 4 – 13/04/2015: páginas 151 a 210 (com anúncio do próximo livro e do local do encontro presencial!)
Semana 5 – 20/04/2015: páginas 211 a 294

Como já mencionamos no texto #1, este livro se passa em uma realidade alternativa na qual a Alemanha e o Japão ganharam a Segunda Guerra Mundial e, vencedores, dividiram o restante do mundo como espólio. O nazismo domina boa parte do mundo, e a humanidade lida com as consequências deste regime. À primeira vista, nem parece scifi (mas não se engane, Philip K Dick tem esse hábito de começar um livro que parece algo simples e entregar um unicórnio-ornitorrinco ao final que te deixa sem saber o que pensar).

Um dos primeiros preconceitos que este livro ajuda a quebrar em relação à ficção científica é aquela ideia de que o texto é mais pobre do que outros gêneros. O velho estigma de “ideias interessantes com uma escrita preguiçosa”. Alguns escritores de scifi se encaixam na lista dos que não têm um texto tão elaborado, como Asimov. Mas não PKD, e não neste livro.

Neste início, temos um pouco da vida de cada personagem para ambientação. Algumas referências a relações entre os mesmos, mas o que realmente liga as histórias, o que age como um denominador comum, é o sofrimento. Todos estão sofrendo. É aí que ele solta alguns trechos belos, ainda que curtos, como Frank sentindo falta da ex-mulher.

Ela parecia tão próxima agora… como se ainda fosse sua. Aquele espírito, ainda ativo em sua vida, percorrendo silencioso o quarto em busca do que quer que Juliana procurasse.

O que PKD mais faz nestes primeiros capítulos é discutir o que é ser humano, o que é ter medo, o que é o mal e como ele permeia as relações. Este tema é visto seguidamente, em personagens tanto do lado alemão quanto do lado japonês do que antes eram os EUA. Ou estão em constante estado de medo, ou estão fugindo dele.

Era bom ver os foguetes nazistas passarem sem parar, sem o menor interesse por Canon City, Colorado. Nem por Utah, Wyoming, nem pela região leste de Nevada, nem por nenhum dos Estados cobertos de desertos ou de pastagens. Não valemos nada, pensou. Podemos viver nossas vidinhas. Se quisermos. Se for importante para nós.

 

Além disso, temos tentativas de racionalizar o terror do nazismo para todos os lados. Alguns personagens tentam elaborar a questão para entender o que os faz diferentes dos alemães. Outros, para justificar seu alinhamento com os mesmos. Estes malabarismos mentais em nada diferem do que vemos todos os dias como tentativa de justificar todo tipo de regime ditatorial, militarista e/ou repressor. Deste modo, é fácil relacionar-se com os conflitos e dificuldades nas quais PKD coloca os personagens.

Sim, é assim que eles são. Não são idealistas feito Joe e eu; são cínicos dotados de uma profunda fé. É uma espécie de deficiência cerebral, como uma lobotomia – aquela mutilação que os psiquiatras alemães fazem e que é um miserável substituto para a psicoterapia.

Aliás, alguém parou para pensar que, se não houvesse a derrota da Alemanha, não teríamos Hannah Arendt livre e viva para escrever e publicar sobre a banalidade do mal? Não teríamos muito do desenvolvimento filosófico e diplomático do pós-guerra, e das garantias e salvaguardas que a ONU proporciona? No mundo da dominação sino-alemã o progresso tecnológico suplantou os questionamentos morais, ao menos durante alguns anos.

Então esse traço psicótico também está em mim. Um mundo psicótico, este em que vivemos. Os loucos estão no poder. Há quanto tempo sabemos disso? Encaramos isso? E… quantos de nós sabem? (…) Mas, pensou, o que significa ser louco? Uma definição jurídica. O que quero dizer com isso? Eu sinto, vejo, mas o que é? Pensou: é alguma coisa que eles fazem, alguma coisa que são. É o inconsciente deles. Sua falta de conhecimento dos outros, desconhecem a destruição que causaram e estão causando. Não, pensou, não é isso. Eu não sei; sinto, tenho a intuição. Mas… são deliberadamente cruéis… será isso? Não, Meu Deus, pensou. Não consigo descobrir o que é, não consigo esclarecer isso. Será que eles ignoram partes da realidade? Sim. Mas é mais que isso. São seus planos. Sim, seus planos. A conquista dos planetas. Alguma coisa frenética, demente, como a conquista da África e, antes disso, Europa e Ásia.

 

Até o fim deste trecho inicial, pouco do livro realmente aborda algo que possa ser considerado ficção científica, além de ser obviamente uma realidade alternativa e das viagens alemãs à Marte. Ou seja, quem não estava acostumado com o gênero talvez não esteja estranhando tanto (espero! Estão?). É uma introdução “gentil” (ainda que não muito feliz) a um dos melhores autores que temos. Mas já começa a apontar, lentamente, para algo mais. As constantes referências ao I-Ching e à espiritualidade, bem como ao sentimento de que tudo está interligado e toda atitude pode afetar o todo indicam que o livro não ficará só na realidade. Algo de místico ou inefável também se insinua.

Oy Gewalt!, ele pensou. O que está acontecendo? Fui eu quem acionei o mecanismo? Ou há mais alguém mexendo nele, alguém que nem conheço? Ou… todos nós. A culpa é daqueles físicos e da teoria da sincronicidade, cada partícula ligada a todas as outras; não se pode peidar sem alterar o equilíbrio do universo. Isso faz da vida uma piada sem ninguém por perto para dar risada.

 

É essa a sensação destas primeiras páginas. Um medo generalizado, uma angústia que permeia a todos. Algo muito mais humano e reconhecível do que se esperaria de um gênero conhecido por ETs, robôs e viagens no tempo, não?