Ontem fumei um cigarro sem motivo pela primeira vez. Socialmente já devo ter pitado vez ou outra, eventualmente posso ter pedido um trago numa noite fria e é provável que não tenha feito desfeita com o charuto cubano que me presentearam, mas nunca tinha acendido um cigarro à toa.

Não sei bem como aconteceu. Era um dia ruim, estava desconjuntado do mundo e pedi um cigarro. Meu amigo cedeu um dos seus, surpreso por achar que eu não fumava, sem desconfiar que eu estava começando naquele momento.

Gostei. Menos do tabaco e mais da redoma que a fumaça cria. Fumar é a melhor forma de justificar um silêncio. As pessoas não suportam o sossego dos momentos vazios que compõem os dias e se empenham em preenchê-los. Fiscalizar os calados é a estratégia mais usual: está tudo bem?, aconteceu alguma coisa?, precisa de algo? Durante muito tempo experimentei me esquivar do público limpando as lentes dos óculos. Analisá-las contra a luz, mesmo desengorduradas, aumentava minhas chances de passar despercebido. Mas o fumante está imune. Ninguém questiona quem se demora calado em um cigarro: compreende-se.

Fumar é a grande desculpa do solitário. Expurgado pelas placas proibitivas da sociedade, habita suas beiradas ao ar livre. Não é de se espantar que viva entre seus semelhantes um código de ética muito humano. Não se nega fogo, sem importar a natureza do fumo alheio, e não se nega cigarro, mesmo que a economia do país esteja mal.

Já disse que não sei como aconteceu. Precisava de um cigarro para aplacar o coração. Entendo que, lá adiante, quanto mais cigarro, menos coração. Mas quando sentir meu fôlego se esvair, baterei no peito como o exausto Odisseu, pedindo um pouco de paciência: aguenta, coração, que já sofreste bem pior.