Uma das citações a respeito de tradução da qual eu mais gosto, é uma da teórica feminista Gayatri Chakravorty Spivak, se não me engano de um ensaio entitulado The Politics of Translation, no qual ela escreve que a tradução é o mais íntimo dos atos de leitura, de que ela se rende ao texto quando traduz. O texto, aliás, apesar de carregado em teoria (ou por causa disso) é um dos escritos mais bonitos que já li sobre tradução, prosseguindo com considerações a respeito de a tarefa do tradutor ser a de facilitar o amor entre o original e sua sombra.

Outra conclusão a respeito de tradução que me é especialmente cara é bem anterior: o prefácio do editor na primeira edição da tradução para o inglês da Talmude Babilônica, feita por Michael L. Rodkinson (de 1901): “Translation! That’s the sole secret of defense!”.

Apesar de bastante distantes em cronologia, contexto e intuito, acho que ambos podem levar o leitor à conclusão de que a tradução é uma das melhores coisas que alguém pode fazer com um texto. Ou, pelo menos, essa é a minha conclusão: a tradução é uma espécie de demonstração de amor para com um texto ou autor, é o modo mais carinhoso de se ler um texto e estar em contato com ele. Ao traduzir um poema do qual eu goste eu me sinto um pouco coautor daqueles versos.

E é por isso que a tradução – ao menos a tradução literária – é um eterno work in progress: o bom tradutor, o tradutor amoroso, está o tempo todo querendo agradar o texto. E agradar um texto é algo que pode demandar muito suor.

Claro, eu falo isso da minha posição de tradutor de literatura, e apenas literatura. Tirando as minhas primeiras experiências como tradutor (quando eu nem sequer queria ser um tradutor, mas traduzia umas coisas pra umas amigas da minha mãe pra tirar uma graninha e sair no fim de semana), eu só traduzi textos que eu escolhi. Exerço a tradução em um âmbito que flutua entre o pessoal e acadêmico, sem altas intenções de me sustentar com isso (mas confesso que, se eu conseguisse, ia ser muito, mas muito bom).

Mas conheço um monte de gente que traduz outras coisas. Conheço gente que traduz textos técnicos, textos científicos, contratos. Conheço interpretes. E, talvez, seja um amor tão ou mais sublime quanto o meu. O objeto desse sentimento não é o que está sendo traduzido, mas muitas vezes a própria (re)construção de um texto.

Traduzir é ter um profundo apreço pela comunicação. Um amor pelos idiomas do qual e para o qual se traduz – com todas as suas possibilidades e impossibilidades. É, em última instância, uma defesa do intelecto e da criatividade humanas.